O Natal e ocorreio

O NATAL E O CORREIO

Ela é pequena e delicada, bem magrinha. Fala baixinho. As pessoas entendem muitas vezes que quem fala baixinho é delicada no trato, gentis, compassivas, alguns até as entendem anjos que perambulam por aqui, procurando as asinhas que ficaram enroscadas em algum galho e eu também não sei se esse conceito é coerente; no caso dessa minha colega de academia, ele se encaixa, é mesmo uma boa alma e isso já é bem bom, quando você vai se arrastando para fazer ginástica e encontra uma boa alma, ou seja, alguém que pode olhar seus próprios erros e acertos com certa tristeza e coragem antes de agredir o próximo. No caso da cara colega de esteira foi o que aconteceu e me assombrei com sua honestidade quando me narra que, ao ir para correio na época do Natal despachar um presente para uma prima do interior, depara com extensa fila e, como tem muita coisa a fazer ainda, fica extremamente tensa. Após alguns minutos tem uma ideia que considera genial - primeiramente iniciou observação das pessoas no ambiente, um senhor de bengala, com lenço no pescoço e anel no mindinho (esse não serve, é rico, pode se ofender), do lado esquerdo do senhor,uma senhora gordota, gotinhas de suor sob o queixo, (parece estar com o colesterol alto e de mau humor) na frente desta, uma outra senhora vestida em tons de linho azul, sapatos e bolsa combinando e brincos que faiscavam freneticamente ao sol da manhã, abanando-se com lentidão (nem pensar,uma ricaça dessas vai me destratar) olha que olha até que observa rapaz de boné e tênis surrado com a beirada meia torta e um moleton com mancha que parecia de café- achou o que procurava – faz-lhe um sinal e pergunta baixinho se ele poderia trocar a senha com ela com gorjeta é claro, numa adulação meio grosseira; alguns ao seu lado a olham com surpresa, alguns suspiram e abanam a cabeça coisa que fazemos quando damos de cara com a corrupção ativa e passiva , o rapaz a olha suspeitoso, to aqui faz tempo ainda tenho muito documento pra entregar dona, por isso mesmo, é Natal e tal e coisa, e o rapaz, cansado da lida já pela manhã, morando longe e pensando no presente para a mãe, recebe a tal gorjeta e lhe entrega a senha da fila; a amiga entre orgulhosa e feliz consegue enviar o presente para a prima no interior bem antes dos outros e ir para seus outros afazeres; no dia seguinte ligar para o interior para saber se o presente chegara; não chegou e isso deixou-a muito, muito nervosa, mandei, andei com taxa especial, deveria ter chegado no dia 23 à tarde, claro que dei o endereço certo, etc., etc., etc., somente nove dias depois o tal presente chega as mãos do destinatário, meio amarfanhado, o riso do papai-noel está meio esquisito, ao invés do ho ho ho habitual emitia um hiée,hiée bem pouco natalino mas a filha da prima gostou assim mesmo. A amiga me conta sua história com tristeza e seus tênis batem com mais força na esteira: - Viu, eu quis tanto mandar o presente não quis pedir para os ricos porque sabia que eles não aceitariam talvez fosse destratada e humilhada mas, meio que impus minha vontade ao rapaz pobre e não tive vergonha de pedir a ele afinal, ele sempre necessitaria de dinheiro, eu até estaria fazendo uma caridade. Foi aí que o Divino me pegou mesmo, para que eu aprendesse – e justo no Natal! No Natal! Tropecei na esteira.

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 27/09/2012
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