BELAS RECORDAÇÕES

 
Minha família eram cinco pessoas, meu pai, minha mãe, um irmão, minha irmã caçula e eu. Quando éramos crianças estudávamos de manhã, na cidade porque a fazenda era próxima alias, próxima não, as terras da fazenda encostavam na cidade, e as colônias não ficavam muito longe.
     
Era aproximadamente meia hora de caminhada por entre os pastos, passando no meio do gado, as vezes correndo de vaca que estava de cria nova.
       
Para levarmos os materiais escolares não tínhamos mochilas de marca e nem de personagens, era um embornal de pano com uma tampa com um botão desses de camisa para fechar, e nele fazia um bolsinho menor que era para os lápis e borracha.
     
Para ir era mais difícil era tudo subida, pois naquele tempo não havia água encanada e as colônias eram sempre construídas nas baixadas, onde a água era mais fácil.
     
Chegávamos da escola, almoçávamos, fazíamos as tarefas e depois era hora de brincar, brincadeiras da época, meninas brincavam de casinha com as bonecas na sombra de uma árvore, meninos jogavam buricas, rodavam pneus, carrinhos de descida com rodas de madeira, caminhãozinho feito com uma tabuinha e carretéis de linha, pescavam, nadavam no rio e essa infelizmente era um costume dos meninos caçar de estilingue.
       
Tinha também as brincadeiras que eram todos juntos meninos e meninas, geralmente a tardezinha e até um pouco da noite que era pique- esconde, passar anel, queima, pega-pega e etc..
       
Mas também tínhamos obrigações como aguar a horta, tratar dos porcos e as galinhas, buscar água numa bica, moer café que a minha mãe torrava, ela tinha uns tijolos para isso improvisava um fogareiro e ficava ali um tempo rodando aquele torrador.
   
Muitas mulheres torravam café, era um serviço considerado perigoso devido ao tempo que ficava exposta ao calor do fogo, depois de terminado precisava ficar um bom tempo sem beber água ou tomar qualquer friagem sob o risco de estuporar.
     
Sempre tinha duas ou três bicas de uso coletivos onde pegávamos água para beber e as mulheres lavavam roupas, e alguns poços nos quintais.
     
Em casa era assim, para beber buscávamos água na bica e para o restante usava a água do poço que tinha no nosso quintal, na cozinha ficava constantemente cheio de água um barril de madeira. Este era barril de vinho que meu pai trazia vazio da casa onde ele fazia compra a anos, os chamados Armazém ou Casa de Secos e Molhados.
     
A água do barril era usada para cozinhar, fazer café, lavar louça, lavar o rosto de manhã numa bacia pequena de alumínio e escovar os dentes.
     
Tínhamos uma chaleira de ferro que ficava dia e noite em cima do fogão de lenha e mantinha a água quente que servia para a cozinha e temperar água para tomar banho com o chuveiro de balde.
     
O quintal era formado da seguinte maneira, saindo pela porta da cozinha à esquerda tinha uma goiabeira, um paiol atrás dele uma laranjeira, mais para o centro um pé de limão cravo e o poço, a direita tinha a tabua para a minha mãe bater roupa, depois o forno abaixo tinha uma amoreira e uma mangueira.
   
Do lado direito, no fundo tinha o chiqueiro dos porcos, acima a horta, depois perto de um poste de energia tinha outro pé de limão cravo. Em torno havia uma cerca de pau a pique bem ralo com alguns arames farpados que sempre era quase toda coberta de melão de São Caetano, bucha e às vezes pés de chuchu.
     
Minha mãe trabalhava muito, levantava bem cedo para preparar o café e o almoço para o meu pai levar para roça, depois aprontava-nos para irmos a escola.
     
Tinha que cuidar das nossas roupas, da casa então não era fácil, as roupas mais sujas ela fervia numa lata de dezoito litros, as brancas enxaguava com uma pedrinha de anil, para passar usava o ferro à brasa.
   
Acontecia às vezes de ela estar ocupada lavando roupa e preocupada com outros serviços, e nós fazendo arte ou brigando dentro de casa, ela ia ouvindo aquilo e aguentando até seu limite, então quieta pegava um galho fino daquela amoreira tirava suas folhas deixando só a vara limpa, entrava pela porta da cozinha e surpreendia-nos, com varadas pelas pernas, em um e outro em quem tivesse na frente até que corríamos todos para fora.
   
Eu algumas vezes escapava correndo para fora sem apanhar, mas ela dizia não tem problema você vai ter que entrar não vai dormir aí fora. Eu ficava o resto do dia sem poder entrar em casa, esperava o meu pai chegar da roça para entrar com ele más mesmo assim levava uns cascudos, só que aí a raiva dela já tinha passado então o castigo era menor. Lembro-me depois de nós adultos, ela disse que se arrependia de ter-nos batido, mas nós dissemos, a senhora não se preocupe com isso pois ficou no passado.
     
Toda semana minha mãe fazia uma fornada de pão que era para a semana inteira, nesse dia o nosso serviço era ir ao pasto onde tinha uma capoeira, colher galhos de alecrim para ela varrer o forno depois de quente para colocar os pães.
     
Quase todas as casas tinham pelo menos um porquinho de ceva, e havia um costume que quando matava um porco dava um pouquinho para os vizinhos, não dava para distribuir a todos da colônia, mas sempre minha mãe mandava a gente levar para os vizinhos mais próximos e alguns que tínhamos mais afinidades.
     
Levávamos uns pedacinhos de carne num prato e com outro de boca pra baixo cobrindo, chegava à casa dizia (a mãe mando um pedaço de carne) a dona da casa pegava levava para dentro e vinha de volta com os pratos, devolvia-os sujos diziam que (não prestava lava), alguma colocava uma cebola ou uma cabeça de alho dentro e nos entregava dizendo ( fala pra sua mãe que Deus lhe pague).
     
Minha mãe derretia toda banha e colocava em uma ou duas lata de dezoito litros. Meu pai fazia linguiça que colocava num varal em cima do fogão de lenha, o toucinho que é couro com um pouco de gordura ele salgava e punha num saco, pendurava num gancho no paiol e colocava uma bacia em baixo para pegar a água que escorria e com isso ficava alguns dias até escorrer toda.
   
O restante era frito num tacho de ferro e depois os pedaços guardados dentro das latas de banha que já havia endurecido, pois ninguém tinha geladeira. A hora de comer era só pegar um pedaço do meio da banha e esquentar.
     
Com esse costume de dividir com os vizinhos, hora ou outra a gente comia carne de porco.
       
Minha mãe costumava fazer sabão, pegava a barrigada do porco colocava com soda cáustica e um pouco de fubá num tacho, ficava no fogo um tempão mexendo até aquilo tudo dissolver e virar sabão que depois era usado para lavar roupa.
     
Tudo que eu disse é verdade, nada foi inventado, são lembranças da minha infância, de um tempo difícil que passamos, meu pai sozinho para sustentar esposa e três crianças, não foi fácil mas éramos felizes na simplicidade.
     
Hoje penso nesse tempo com saudade principalmente dos meus pais que já se foram, saudade dos amigos, da escola e das brincadeiras.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 25/09/2012
Reeditado em 24/02/2024
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