DESPEDAÇADA
Era uma vez uma menina que se sentava todos os dias numa pracinha a espera da vida. Ela sentia que as coisas passavam, as pessoas passavam, e a vida nunca chegava.
As horas se transformavam num infinito, e as semanas viravam meses, e os meses anos, e os anos se repetiam numa cadência triste e monótona , como o barulho das gotas de chuva nas vidraças da janela em tarde de inverno.
Mas lá estava ela sempre, sem nunca se cansar. Ela notou os primeiros sinais da adolescência, e viu seu corpo sofrer a dolorosa e encantadora mudança de garota para mulher. Se tornou bela, como a flor que de manhã é botão e a tarde floresce plena e totalmente. Mas a vida não vinha, não chegava e a espera que antes era calma, serena, tornou-se ansiosa, desesperadora. Mas continuava sentada, e as pessoas continuavam a ir e vir e poucos davam conta da presença dela.
E os anos passavam, as primaveras se transformavam em verões, e os verões traziam outonos e invernos e as paisagens mudavam, como que trocando de roupas a esperar novas estações.
A maturidade chegou. Surgiram as primeiras rugas em seu rosto, fios brancos em seus cabelos, mas seu olhar conservava ainda o brilho de outrora. Ela sentia que não era mais a mesma a cada dia, porque algo de si era levado para nunca mais voltar.
Assim, numa bela manhã de outono, num dia límpido de azul anil, a garota-moça-mulher se despediu da vida, que ela sempre esperava sem nunca saber que ela sempre estivera ali a sua espera.
E quando ela mergulhou em sua viagem final tudo que fez foi dar seu último sorriso, pois sabia que a vida agora a abraçava eternamente.