A baleia
Olhou-se no espelho, assombrada. Como podia estar tão gorda? "Meu Deus, eu estou uma verdadeira baleia!" Beliscou a cintura, envergonhada, pensando em como teria vergonha de usar biquíni com todas aquelas banhas flácidas, aquela celulite e barrigona saliente. Era por isso que suas colegas de escola a olhavam sempre com uma cara de espanto. Uma vez, um menino que sentava a seu lado perguntara:
-Por que você usa esse casaco enorme por cima da farda num calorzão desses? Parece que vive resfriada!
Ela rira amarelo e ele perguntara:
-Está com vergonha de alguma coisa?
No banheiro, vira que umas meninas a olhavam disfarçadamente e cochichavam. Quando notaram que ela sabia que falavam dela, disfarçaram.Ela lhes perguntou:
-O que foi?
-Nada, nada mesmo.
-Vocês falavam de mim, eu sei.
-Está certo. Queríamos saber o que você anda comendo para estar com esse corpo.
Encolerizada, xingou as colegas e saiu, ouvindo:
-Tá com raiva de quê? Ninguém fez nada senão dizer a verdade.
E a verdade doía. Era horrível saber que estava imensa, uma bola de carne. Alguns a olhavam com espanto durante as aulas e, nos intervalos, chegavam a oferecer seus lanches:
-Não quer uma coxinha?
-Não, obrigada.Estou de regime.
-Ahn? Não acredito nisso.
Os pais estavam a incomodá-la, dizendo:
-Filha, acho que deveríamos ir a um médico.
-Por que, mãe e pai?
-Estamos preocupados com você. Você não pode ficar com esse peso.
A cólera, dessa vez, explodira e ela gritou:
-Ah, é isso, não é? Acham que estou gorda demais? Têm vergonha de mim, porque sou gorda, não é?
-Querida, não é isso.
-Claro que é. O povo deve ter dito a vocês: "Sua filha é uma baleia. Ela só pensa em comer", não é? Mas eu estou fazendo um regime. O problema é que não perco peso.
-Como assim, meu amor?- a mãe fez uma cara incrédula - Você não perde peso?
-Não, não perco.
A discussão morreu aí e ela continuou naquele regime, mas, sempre que se olhava no espelho, era uma decepção. Agora, naquele momento, via que a barriga continuava grande, as pernas gordas e moles a cintura um verdadeiro barril.
-Não tem jeito, estou uma baleia. soluçou.
Limpou as lágrimas, vestiu suas roupas e saiu do provador. A vendedora do shopping perguntou:
-Não vai levar essas roupas? São tão bonitas.
-Não cabem em mim. Sou muito gorda.
A vendedora abriu os olhos, um tanto espantada, mas não disse nada.
Passou pela praça de alimentação do shopping. As pessoas se regalavam de sanduíches e sorvetes. Ela não faria aquilo. Tinha que ter força de vontade até conseguir emagrecer. Parariam de rir dela, achando que estava uma baleia.Estava com fome, mas não comeria. Aguentaria ficar de estômago vazio, apesar da fraqueza que a estava atacando desde a hora em que saíra para fazer compras. Sentou um pouco. Uma moça lhe indagou:
-Sente-se mal?
-Estou bem, vou só lavar o rosto.
Foi ao banheiro do shopping. Lavaria o rosto e se sentiria melhor. A tontura foi piorando e, de repente, tudo escureceu.
Ao acordar, viu que tudo ao seu redor era branco. Sua mãe chorava, acariciando-lhe o rosto. Estava tão fraca que nem podia falar. O médico falava com seu pai e, ao ver que ela despertara, disse-lhe:
-Está tudo bem, descanse agora. Depois, nós conversaremos. Vou falar primeiro com seus pais.
O pai lhe beijou, falando:
-Nós estamos aqui, querida. Não tenha medo. Vamos cuidar de você.
Fora do quarto, o médico explicou:
-A anorexia nervosa é assim. A pessoa pode estar magra demais, mas sempre acha que está enorme e monstruosa de gorda. Vamos esperar que ela descanse antes de conversar com ela. Será necessário acompanhamento médico e psicológico.