Um conto

Numa lágrima, num pesar, misturei tudo que havia engulido, tudo que ando ruminando.

Me desgastei naqueles pés sujos que andaram pelo país.

Quando pude, deixei um pedaço de mim.

Quando não, deixei mesmo assim.

Me dilacerei por completo até que, sozinha e sem forma, me contentei em voltar pra casa.

Até que houve um dia, lembro-me bem, em que, num desses passeios de madrugada, trombei com um sentimento.

Era meio calvo, baixinho, um olhar cansado, mas sereno.

E contei de minhas desventuras, do meu jeito tagarela, teatral e exagerado.

Contei as alegrias, as tristezas, recitei umas frases e chorei um pouco.

Ele escutou a tudo, calado.

Quando terminei o que seria um resumo da minha vida, ele me puxou pelo braço e andou comigo até uma parte alta da cidade.

O sol estava nascendo, a brisa quente da cidade começava a exaurir o frio da solidão da noite.

Os prédios cinza escuros viravam espelhos laranjas por toda selva de pedra.

Mais um dia, pensei. Mais felicidades, mais angústias, mais emoções, mais passos, mais cigarros, mais beijos, mais amor.

Mais uma vida em 24 horas.

Virei-me para o sujeito, eu não queria sorrir, mas aquela vista merecia.

A companhia merecia.

Tentei esboçar um sorriso.

Mas rapidamente ele me repreendeu: “ Não, não precisa.”

Virou-se e foi embora.

E eu continuo desgastando meus pés, ruminando minhas dores, tagarelando exageradamente, rindo demasiadamente, buscando meu rumo entre meus pedaços espalhados.

Espelhando-me nos espelhos laranjas dos prédios da cidade;

Tentando ser mais eu a cada unha lascada.

A cada mulher que passa ou deixa de passar.

Volto pra casa todos os dias e espero para que a serenidade do sentimento me tome por completo.

Gargalhando entre dentes pontiagudos que esperam pela carne a ser mordida.

Queimando estoques de neurônios dos quais eu sentirei falta.

Amando todos que demostrem simpatia por mim.

E odiando a minha óbvia pieguice.