A CARTA PERDIDAMENTE. (ec)

Ainda resta uma esperança.

Quando avistei aquele livro todo amarfanhado no cantinho do banco do

ônibus, pensei: Que ótimo que a brincadeira continua.

No orkut - não sei se ainda tem - participei de uma comunidade onde

perdíamos um livro e a pessoa que o encontrava era orientada a lê-lo e

perdê-lo para que novos leitores pudessem usufruir da leitura.

Colocávamos um código onde era possível rastreá-lo.

Eu perdi " Odeio o meu chefe" e não fiquei sabendo qual foi o destino dele.

Com essa linha de pensamento peguei o tal livro e você não imagina a

minha felicidade ao ler - Ainda Resta Uma esperança, J M SIMMEL. Eu

já tive um livro desse e perdi para " peço emprestado mas não devolvo"

Comecei a folheá-lo procurando alguma referência à comunidade quando

encontro uma folha amarelada pelo tempo - tudo indicava ser uma carta.

E agora? Leio ou procuro saber quem esquecera o livro? Perguntei a

algumas pessoas que estavam próximas a mim, perguntei ao motorista e

ninguém soube responder quem estivera sentado naquele banco.

Como ainda teria uma hora e meia de viagem, tirando o tempo de

possível engarrafamento, iria relendo-o. Assim foi até a página 20. A

curiosidade para saber o que estava escrito naquela folha aguçava a

minha mente. Seria uma carta de amor, uma receita de bolo, lista de

supermercado?!

Não suportando a curiosidade desdobrei a folha.

Rio de Janeiro, 29 de Fevereiro

Querida comadre Joana, aqui todos passam bem. Estamos com muita

saudade de todos, principalmente do meu afilhado Zequinha. Ele

melhorou da caxumba? Cuidado com ele, comadre, você sabe que se a

caxumba descer para os ovinhos você poderá ficar sem netinhos por

parte de filho.

A Margarida já desencalhou? Cuidado com ela comadre, noivado de 10

anos é perigoso por demais.

Lembra da Mariquinha, a filha do Zé da quitanda, pois então depois de

um noivado longo com aquele estivador bonitão desistiu e fugiu com o

balconista magrelinho do açougue lá para as bandas de Minas Gerais e

tão dizendo que ela até já embuchou.

Melhorei do reumatismo e agora já posso caminhar pelo bairro que

continua tão calmo que chega dá nervoso.

Aqui tá calmo mas na cidade tá uma confusão só. Sequestraram um alemão

importante para trocar por presos. Coisas de política.

Sabe aquela moça bonita da casa amarela em frente a praça? Ah, que

tristeza dupla aconteceu com a pobre. No dia que a mãe morreu ela

descobriu que o marido tinha ido embora com a amante.

Genivaldo - meu genro - diz que Deus foi bão com ela. Deu duas

cacetadas de uma vez só.

É, mas o povo é cruel. Muito cruel. Andam falando que ela - do olho

esquerdo - chora pela mãe e pelo direito pelo safado. Coisas de ano

bissexto, comadre, só pode.

Por ora é isso. Assim que puder, mande notícias e me conte as novidades.

Abraços da comadre Carlota.

Fim da minha viagem. Deixei o livro tal qual o encontrara lamentando o

tempo gasto lendo mexericos.

Ah, Ainda Resta Uma Esperança é uma deliciosa leitura. Um hino à

vida. Vale a pena conferir.

Maria Luzia Santos
Enviado por Maria Luzia Santos em 19/09/2012
Reeditado em 07/04/2019
Código do texto: T3889808
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