Palavras mudas

Durante uma longa escuridão sem sentido, abri os olhos durante a madrugada fria! Demorou horas para que eu percebesse onde estava e que o único movimento que conseguia controlar em meu corpo é os meus olhos. Consigo ouvir completamente todas as pessoas ao meu lado, todos que vieram compartilhar a piedade miserável que alguns insistem em chamar de milagre! Lembro-me que a música soando madrugada adentro em um barulho frenético, que emocionavam todos os coadjuvantes cúmplices de uma noite sem culpa. Ao longo o cansaço do corpo, os brilhos de faróis intensos e o barulho ensurdecedor de pneus e buzinas! A existência escureceu diante dos meus olhos, não conseguindo recordar de nenhum fato em minha vida posterior ao episódio, após regressar a essa consciência lúcida, muda e incapaz. Consegui ouvir o diálogo de médicos e profissionais de saúde: - Ele teve muita sorte, fraturou quatro vertebras e ainda está vivo foi um milagre de Deus! -provavelmente a tetraplegia conseguirá impedi-lo ter qualquer tipo de independência.

A pior sensação em somente ouvir e enxergar o mundo é saber que ninguém poderá compreender seu grito, que essa medíocre existência perde todo o sentido quando sabemos que não podemos interferir em nada, tomar nenhum tipo de decisão e viver de acordo com as ideias da caridade alheia, oriunda daqueles que piedosamente ou responsavelmente administra a vida desse cérebro inerte; que possui os pensamentos mudos, sem sequer conseguir controlar ou administrar seus momentos fisiológicos. A vida nesta ala branca se resume em ouvir, observar e receber as mais absurdas visitas de piedade ou felicidade de pessoas estranhas ao meu cotidiano anterior. Mensagens de fé e mentiras são sussurradas deliberadamente em meus ouvidos, minha impotência não permite expulsar hipócritas que vieram compartilhar a fidelidade ou a felicidade desta amarga desgraça.

Caro leitor, Eu posso ser qualquer um! Com discursos e promessas comuns. Alguns me chamam de comum, ocasional, predador das oportunidades do tempo, pensador cotidiano e outros imaginam o extraordinário! Afinal de contas meu nome hoje é o que menos importa... O tempo antes maior inimigo devido a sua intensa veracidade de velocidade, agora castiga meus dias transcorrendo sorrateiramente e privando-me da escuridão eterna. Poderia ter um nome, ou muitos outros nomes ou vidas desconhecidas, mais prefiro mergulhar no silencio e perder o olhar e os sentidos que me restaram no horizonte das trevas. Acreditar que em outros períodos bem vividos da vida, tudo que aconteceu valeu muito a pena. Os nomes, as vidas e as máscaras que impregnaram um cotidiano e deixaram de alguma forma rastros de culpa e desculpa no grão de areia da eternidade...

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Gessé Cotrim
Enviado por Gessé Cotrim em 18/09/2012
Reeditado em 04/10/2012
Código do texto: T3888828
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