Número errado.

Rosemeire, moça educada e tímida, trabalhava em um escritório de contabilidade – o único da redondeza - na Avenida da Saudade, numa cidadezinha do interior. Sabe com é uma cidadezinha dessas: pouco movimento, nenhuma novidade e muita especulação sobre a vida alheia.

Como de costume, Rosemeire chegava sete minutos antes do início do expediente, abria o escritório, verificava se tudo estava em ordem, para só então receber as pessoas.

Detalhista e criteriosamente organizada, sobre sua escrivaninha, à direita havia um vaso de violetas brancas que ganhou do chefe, no dia da secretária, uma pequena pilha de papéis bem arrumadinhos por data em ordem decrescente, uma régua antiga, daquelas de madeira, um bloquinho de notas com folhas coloridas, canetas e lápis num suporte de acrílico fumê com um crominho de flores (sabe aqueles crominhos que a gente punha na água e depois colava?).

À esquerda, um pequeno calendário com figuras de animais – ela gostava de animais de estimação – um pratinho bem pequeno, de porcelana pintado à mão em letrinhas douradas com os dizeres: Feliz aniversário Ana Lúcia, 23 de maio de 1996. Ana Lúcia era a outra secretária que morrera de infarto fulminante. Desde esta data Rosemeire trabalha nesse escritório a cinco quarteirões de sua casa, onde mora em companhia de uma cadelinha vira-lata chamada Pipa e duas gatas: Lola e Mélamy. Lá se vão 16 longos e pacatos anos.

Sobre a mesa do chefe, um viúvo sisudo que só aparecia de manhã em dias ímpares, repousava uma máquina de escrever Olivetti Letera da qual ele não se desfazia por nada nesse mundo.Neste prédio antigo, assoalhado e cheirando a cera de carnaúba, no centro da cidadezinha, os objetos mais estranhos que destoavam do ambiente pela avançada tecnologia eram o computador e o telefone celular novo de Rosemeire.

Foi num domingo, quando passeava em caravana pela cidade turística do Circuito das Águas do estado de São Paulo que ela decidiu comprar um celular, embora até o momento não sentisse necessidade de ter tal aparelho. Com quase 35 anos, algumas economias guardadas no banco para o caso de uma doença, não sabia como usar esse poderoso instrumento de comunicação. Apenas admirava pela TV 21 polegadas, tela comum e resolução analógica, as belas unhas pintadas de vermelho da atriz da novela das nove que segurava aquele aparelho rosa choque, tão pequeno, luminoso e barulhento.

Rose não esmaltava as unhas, mas tirava as cutículas.

Depois de ler minuciosamente todo o manual de instruções, adicionou à sua lista de contatos: a tia Mariquinha, irmã de sua mãe, que morava em Barra Bonita e só a via no Natal, a manicure Zezé mais por amizade do que prestação de serviço, a clínica veterinária para emergências, Tita e Daiane com quem tomava sorvetes aos sábados na pracinha da igreja matriz, o disk-pizza do Isidoro ,o telefone fixo do escritório e só.

Querido(a) leitor(a), só por curiosidade...você sabe quantos contatos existem no seu celular? Conversa com todos?

Filha única e temporã de um casal já falecido, Rosemeire tinha muitos sonhos, pouquíssimos contatos e raras ambições. Sexta-feira de manhã, o celular vibra sobre sua mesa e rompe o silêncio do local . Era uma mensagem sem nome de contato. Leu com atenção aquele amontoado de números, mas não o reconheceu. Abriu a mensagem:

*Bença vó. Logo eu to aí, ta? Só queria dizer que to 1 pouco magoado por me julgarem sem saber. Manda 1 bjo pra tia Maria e fala qi amu mto ela, ta? Bjs vó. Amu vcs. Di.

Rosemeire olhou espantada para aquelas palavras que corriam na tela e resolveu responder. Poderia ser um recado importante que essa "Di" mandara para outro número que não era o de sua avó. Seria Dirce, Diva, Diana? Sei lá...

*Endereçou a mensagem para um número errado*. Ela digitou e reenviou.

Alguns segundos depois, outra mensagem:

Di - *disculpa, ta?

Ela - *Acontece, não tem importância. Gostei da manifestação de carinho com sua família.

Di - *Quem é aí? A filha da Helena?

Ela - *Não, sou Rosemeire.

Di - *Qi Rosemeire?

Ela - *De Moruaçú. Deixa pra lá, boa tarde.

Di - * - Oloko kkkk fala aí pô! Mora em São Paulo? Boa tarde moça. Kkk prazer, Daniel.

Ela - *Prazer, Rosemeire.

Daniel - *Nossa, nem sei onde fica isso. To querendo saber demais , né?

Ela - *Por gentileza, poderia apagar meu número do seu celular, Daniel?

Daniel - *Pq? Nunca ninguém me fez um elogio desses. Moruaçú fica longe de São Paulo moça? Kkk O celular é da minha mãe.

Rosemeire estava perplexa e curiosa. Quem era aquele "Di" ou Daniel que digitava as palavras tão rapidamente a ponto dela não conseguir terminar um torpedo e já vinha outro! Até esqueceu do cliente que esperava sentado na cadeira de palhinha a folhear uma revista. Nunca havia acontecido isso... um cliente esperando e um monte de torpedos.

Ela - *Moço, deixa pra lá.

Daniel - * Nãããoooo! Posso te ligar agora? Deixa, deixa, deixa!

Ela - *Só depois do expediente, por favor. Agora não posso atendê-lo.

Daniel - * Ok! Q h?

Ela não conseguia decifrar aquelas palavras escritas em código...mas arriscou: *19:30min.

Daniel - *Ok Rosemeire, me aguarde q vou ligar pra vc.Bj.Di.

Daniel ligou no horário combinado. Conversaram um pouco e decidiram se conhecer por email para baratear a comunicação. Celular é caro demais! Depois se viram pelo computador. Ele era quinze anos mais novo que ela e ficou impressionado com sua beleza e educação.

De vez em quando Rosemeire mandava uma carta manuscrita porque gostava muito de escrever. Daniel ficava encantando com a letra miúda e bem feita em papel azul claro, perfumado.

E assim os dois foram se conhecendo, se entendendo, se divertindo e acabaram se casando. Rosemeire foi morar em São Paulo e disse adeus à Olivetti Letera e à solidão da cidade do interior. Tudo por causa de um torpedo errado... veja você!

Ah! Di era o apelido que a avó colocou em Daniel quando pequeno.

O chefe fechou o escritório e levou o vaso de violetas e a Olivetti.

Mariacris
Enviado por Mariacris em 13/09/2012
Reeditado em 12/07/2013
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