ESPERA
A vida suspensa. Espera por ela, ele. Enquanto espera, não consegue dar seqüência a nada que precisa ser feito. Os livros a organizar na estante do quarto, os cd´s para pôr nas capas, a louça do depois eu lavo tomando conta da cozinha, já exalando um azedinho. Ela não liga, não dá sinal de vida. Uma droga de filme na televisão. Já faz umas duas horas o telefone no pé da cama.
- Olha, neném, hoje não vai dar. Ele ainda se lembrava da última vez que ouviu essa frase. Frase maldita. Ficou uma fera, queria mandá-la pro inferno, mas engoliu seco e apenas soltou o telefone, nem disse tchau, nem disse nada. O motivo de ela não ir ficou sabendo duas semanas depois. Um ex-namorado chegara de Alagoas na casa dela. Coisa de amigo da família, das irmãs, os pais faziam gosto e tal. Acabou saindo com ele e teve de contar tudo, porque um colega do trabalho a viu e deu com a língua nos dentes. Noite constrangedora aquela. Não precisava passar por isso, ele repetia para si e, umas duas vezes, chegou a esboçar num tom mais alto, de quase raiva. Mas pagou na mesma moeda. Não foi melhor a noite do que a narrativa – minuciosa – para ela. Coisa de roteiro de cinema, que ela ouviu engulhando.
Sempre achou absurdo ficar dependendo da disponibilidade dela. Era quando desse. Era quando desse depois de tudo o que ela tinha de mais importante. Hoje não vai dar mais, meu bem, já é uma hora dessas... Ele até já conhecia o resto do discurso quando começava assim: amanhã, amanhã, viu? Amanhã a gente desconta. E batia rápido o telefone para ir dar prioridade as suas coisas.
Agora está tocando a música com que ele sempre a esperava. Ela adorava essa música. Dizia que marcou a vida dela no passado, mas nunca contava por que, contou na primeira vez uma outra coisa que ele achou desculpa esfarrapada, mas não quis investigar mais, achou que era melhor ficar com aquela história mesmo. Aprendeu a gostar da música, porque sabia que ia agradar assim. A música repetia horas a fio no som, baixinho para não acordar o apartamento de baixo, o da velha que criava uns gatos siameses. O pacote de biscoito já está pelo meio, o refrigerante esquentou no copo, o filme ficou passando pros livros, que talvez precisassem mais dele. Filme idiota! Mas o que não é idiota nessa televisão no fim de semana. Tarde da noite passavam uns filminhos melhores, mas ele não cogitava a possibilidade de ficar esperando até uma hora dessas. Se ela não vier daqui a uma hora, foda-se.
Ela não veio, nem ligou nem nada. Ele assistiu a todos os filmes da madrugada, até adormecer. O som ficou ligado, baixinho, para não acordar a velha dos siameses, tocando a música que marcara a vida dela, ele não sabe por que. Dali a um instante ele ia levantar com o despertador chamando pro trabalho. Trabalho longe, pesado, ele detestava fazer. Ia passar rápido o dia, queria que chegasse a noite logo, dessa vez ela iria.
A vida suspensa...
São Luís, 06 de setembro de 2003.