O SONHO REAL

Elza entrou em casa naquela tarde chuvosa, com vontade de não estar. Não somente ali na velha construção de alvenaria, mas na vida. Sentia o aperto no peito que sentia desde que viu o filho, Rômulo, sair na noite anterior. O beijo, o “Vou alí e já volto”; a demora; o amanhecer; a procura e a notícia: “Seu filho está morto na esquina da rua principal”. O mundo desabou. O grito expôs a alma ferida de morte. A revolta, contra Deus, contra a vida e contra tudo, tomou a forma de pensamento, sentimento e atitudes. O filho, único, morrera numa invasão da comunidade promovida por um grupo rival. Não havia mais o que fazer.

Agora, Elza estava na sala, olhando o retrato cuidadosamente arrumado sobre a estante. Nele o sorriso do rapaz. “E agora?” pensou. “Estou sozinha”. Como continuar? Não sabia. Não acreditava mais na vida, nas pessoas ou mesmo em Deus. Lembrou-se de uma das muitas pregações que ouvira na denominação cristã que freqüentava: “Acredite na vitória. Deus não te deixará passar por privações”; riu de si mesma, já que era fiel em todas as exigências da tal igreja. Quantas vezes derramou lágrimas em forte emoção por ser “vencedora e conseguir depositar aos pés do pastor, a quantia chamada desafio do mês”. Quantas vezes! O que houve então? Deus não aceitou seus sacrifícios? Teria ela errado em alguma coisa? Faltara-lhe fé? Deus, de acordo com o pastor, se agradava das pessoas que colocavam sua fé em prática... “O que aconteceu?” perguntou em voz alta. “O que aconteceu?” perguntou mais uma vez em voz mais alta; “O que aconteceu!?” desta vez num grito seguido de um soco na parede. Explodiu num choro profundo; se permitiu se deixar cair no chão. Chorou, chorou e chorou. Por horas. Até que subitamente foi levada por um sono seguido de um sonho em que se via num campo gramado e extenso. De repente pingos d’agua como chuva passaram a cair do céu. Como personagem de um cenário, Elza abriu os braços e permitiu molhar o corpo até que ouviu uma voz que soava como trovão: “A voz do sangue do teu irmão clama por mim”. Sentiu o impacto do momento foi quando percebeu outras mulheres que também abriam os braços e choravam. Notou que quanto mais aquelas mulheres choravam, mais chovia. Elza entendeu algo que nunca ouviu como explicação: “Deus vê o choro de uma mãe como oração”.

Ainda no sonho, Elza sentiu uma estranha confiança brotar no seu coração. Foi quando viu no horizonte um sol que nascia além das nuvens seguida de outra frase: “Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as coisas velhas já passaram”. Nesta hora ouviu um cântico lindo de Louvor a Deus...

Até que despertou, deitada no chão da sala, ouvindo um lindo cantar de um pássaro. Levantou-se e viu que o sol nascia em uma nova manhã. A dor da perda estava lá no coração, mas aquela confiança do sonho também; e uma inexplicável força a impulsionava para algo além daquele dia.