O menino e a prosa

O MENINO E A PROSA

Na sua vida no Piauí valia ver as estrelas correndo pela noite, prosear um pouco com as borboletas e lagartos; a primeira vez, o menino se espantou com seu dom. O menino se espantou depois se aquietou, depois sorriu e, nas tardes quentes, quando o sol cismava de fazer ginástica até mais tarde, ia para lá, bem no fundão da caatinga, pra prosear com o lagarto, flores secas, borboletas, e até com uma cobra neurastênica que encontrou embaixo de um toco seco: - Cuidado criatura, cuidado! Não estou de bom humor hoje, estou só aguardando o diretor do documentário para ir embora daqui; vou para Hollywood,entendeu, entendeu e foi embora sem despedidas, serpenteando pela estrada. Mas o menino não entendeu o porquê de tanta raiva e continuou a conversar com as borboletas que passavam, com a graúna sempre perseguida, a águia Teresa, um tantico soberba, o carcará Eusébio meio sonso, o lagarto Arquimedes sempre com frio. Tornaram-se amigos e confidentes até do sol, que iniciara uma série de abdominais pela manhã, to muito gordo sabe menino, preciso de exercício e o menino aproveitava e, agarrando-se nos raios, voava pela catinga empobrecida e ganhava um torrão de sol com sabor de açaí; e quando a noite caia a lua pousava seus braços frios sobre seu peito e também lhe oferecia um torrão de lua com sabor de baba de moça. Conversava então com os vaga-lumes meio mulherengos, as corujas circunspectas, as onças desconfiadas, você criatura, é uma exceção, o bicho-homem é mau e interesseiro. Mas o menino ria e acariciava o pelo macio. Assim era sua vida e ele era feliz com ela, até que um num dia acabrunhado e encolhido descobriram seu dom, enquanto convencia um graveto partido a não chorar por estar longe da mãe. Foi levado para a capital, depois para o sul, e lá, entre o pranto da mãe que o apertava contra o peito e o pai, que coçava o queixo acabrunhado, foi deixado numa instituição para gente problemática disseram, mas ele não entendeu bem e sorriu tristemente pela janela de um quarto pequeno e branco onde enfermeiras-marionetes o vestiam e despiam com rudeza. Tornou-se uma criatura calada e tristonha e da janela do quartinho, sabiás e rolinhas cochichavam e o olhavam consternados. Foi numa dessas noites, quando o luar escorregava pelo parque que o menino viu águia Teresa que lhe pediu silencio. Nesse instante, as andorinhas abriram sua janela e saltou nas costas da amiga águia. Foi uma viagem longa, onde estrelas e vaga-lumes iluminaram o caminho e, ao raiar do sol que o esperava com um sorriso de pai, chegou ao Piauí, horas depois, na caatinga que floresceu suspeitosamente para esperá-lo. Nunca mais foi visto. Alguns dizem que, á tardinha aparece no lombo da onça para prosear com os amigos que vão beber água à beira do rio. Outros que e visto a voar agarrado aos raios de sol e rindo, rindo....outros ainda, que pula nos prados da lua e que São Jorge o leva para cavalgar. Crianças o vêem com mais clareza. Adultos têm mais dificuldade- tão somente os que olham a vida com o coração vêem o menino e ouvem sua prosa.

 

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 07/09/2012
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