Ponto de Vista

Ligia olha para o relógio. São quinze para as três. Faz mais de uma hora que ela está na sala de espera. Já folheou todas as revistas velhas e resistiu a sua mania de organização e não as colocou em ordem cronológica ou separou em pilhas de Mire e Faces. Deixou que a bagunça olhasse pra ela provocativa e não fez nada.

O ventilador de teto fazia um som cadenciado ao balançar aquela cordinha metálica, resultado da união de pequenas contas, mas não conseguia espantar o calor.

A TV ligada sem som não entretinha ninguém e a poltrona parecia mais desconfortável a cada cinco minutos.

Ligia pensa em tudo que poderia estar fazendo. Quanto tempo perdido esperando, cansando de esperar, enquanto a roupa em casa aguardava para ser passada e a lista do supermercado que jazia sufocada na bolsa teria que ser ressuscitada mais tarde.

Que bom seria ter a capacidade de dormir sentada como as duas senhoras do sofá em frente. Mas, no momento, nem isso.

De repente lhe visitam pensamentos inúteis; daqueles que a gente não sabe o que fazer com eles e dos quais queremos nos livrar logo, mas que grudam feito chiclete.

Ideias como as do tipo e se...

E se eu não tivesse escolhido esse emprego?

E se eu tivesse feito aquela viagem?

E se eu tivesse me casado com outro namorado?

Enfim uma tortura viciante.

Ligia olha pela janela, tentando fugir antes de encontrar o Minotauro deste labirinto. Do décimo quinto andar e sem muitas barreiras ela vê boa parte do bairro e alguns dos prédios do centro. Construções conhecidas, frequentadas, a igreja de Santo Expedito, o supermercado, a padaria, duas farmácias e a ponta do posto de combustíveis, carros e pessoas apressadas, certamente fazendo ou indo fazer alguma coisa e ela ali parada.

Que tédio!

Na verdade, Ligia sente até certa culpa pelo ócio. Desde que tem consciência de si mesma ela sempre buscou ocupar-se de alguma coisa. Um hábito familiar assimilado junto com valores que ela só passou a questionar depois do divórcio.

Ah o divórcio! Vinte e sete anos de casamento e agora o fantasma do divórcio materializou-se e senta com ela para jantar.

E o "e se" ressurge vestido de "se ao menos".

E se ao menos eu tivesse tido filhos?!

O sino de vento da porta da rua soa e entra mais uma mulher de peruca, seu perfume chega antes e dá náuseas de tão doce.

Ligia vai ao banheiro, molha o rosto, olha o relógio de novo e pensa e ir embora, mas terá que remarcar o horário e voltar outro dia e então passar por um segundo calvário de espera. Melhor ficar e fazer que este não seja em vão.

Bons pensamentos, bons pensamentos, coisas alegres. Droga, onde vocês estão??? Ligia tenta lembrar alguma piada. Bom, tem aquela do papagaio, a do corno, a do advogado... Não advogado não, advogado lembra divórcio. Como é difícil esquivar-se da própria mente.

Para mudar o foco Ligia olha para os sapatos. Eles estão apertando um pouco. Ela tenta lembrar porque insiste em comprar sapatos um número a menos. Será um castigo inconsciente? Nossa, essa espera está me enlouquecendo!

Ela mexe na bolsa, olha os exames novamente e resolve rezar para ter boas novas, afinal já se passou bastante tempo desde a última quimioterapia.

A secretária chama seu nome. Ligia pega a bolsa e levanta entre aliviada e apreensiva afinal dependendo da notícia esperar pode não ter sido tão ruim.

Bárbara A Sanco
Enviado por Bárbara A Sanco em 05/09/2012
Reeditado em 11/09/2012
Código do texto: T3867351
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