Fisicamente, Fernão estava muito além dos meninos de sua idade. Esticara, crescera como massa fermentada, mas o intelecto, o intelecto tinha lá seus momentos de desalinho.
— Absurdo! Isso é um absurdo reprovar um aluno porque não sabe quem foi Lord Cochrane, protestou Yuri. Não podia negar que o marquês do Maranhão fora importante na história da marinha brasileira, mas reprovar Fernão?
Almirante escocês!... Isso é cultura inútil para uma criança de doze anos! Qual interesse essa informação pode despertar numa pessoinha naquela idade? O pai, sim, tinha suas paixões pela navegação marítima. Mas o filho gostava de aviação. Yuri precisava descobrir se o filho tinha aptidão para alguma coisa. Precisava ocupar a mente e todo tempo do menino, para evitar travessuras em casa como, derramar xampu, abrir torneiras para ouvir o barulho da água... Sim, o barulho da água fazendo enxurrada na ardósia e arrastando formigas para o ralo. Mas Fernão controlava tudo; punha fim ao dilúvio, fechando a torneira. Todas as coisas lhe deviam fidelidade e obediência, do contrário, seriam punidas. Quantos carrinhos foram queimados em fogueira como as bruxas da Europa? Muitos! Quantos socos e pontapés levavam as portas e paredes porque não saiam de sua frente.
Olhar distante, desatento aos estímulos externos o menino parecia viver uma realidade diferente do mundo dos falantes. Fernão tinha seu próprio vocabulário para dar nome às coisas, de modo que sua comunicação só era possível com a família e com as pessoas de seu relacionamento. A rede pública de seu país não estava plenamente capacitada para lidar com crianças portadoras de necessidades especiais e, se a família não o houvesse remanejado para um colégio particular, ele jamais seria aviador. Contudo, até realizar seus sonhos de pertencer à Esquadrilha da Fumaça, ainda teria que navegar muitas milhas em simuladores de voo.