MISTÉRIO NO HOSPITAL

Naquele dia Márcia amanheceu feliz: era seu aniversário e ela estava cheia de planos. Bem casada, vida bem resolvida. Saíra de casa para ir ao cabelereiro: queria estar bonita para o jantar a dois, logo mais à noite.

Fizera uma rápida mudança no armário do quarto, levando suas roupas para o quarto de hóspedes, pois estava para receber um novo armário. O antigo já não era suficiente para suas necessidades, e o armário seria um dos presentes de seu marido pelo aniversário. Haviam comprado aquela casa há pouco tempo, vindo de mudança de uma cidade do interior: o marido viera assumir um importante cargo na capital.

Márcia passou antes no shopping, andou por algumas lojas à procura de um bonito vestido para aquela noite, e encantou-se com um na cor azul escuro, em estilo sóbrio e elegante. Pagou-o, a vendedora entregou-lhe a sacola à saída da loja, e ela deixou o shopping para atravessar a rua em direção ao cabeleireiro. De repente ouviu o freio de um carro e sentiu uma forte pancada na lateral do corpo: sentiu-se rolando no chão. Que sensação estranha!… Sentia uma dor lancinante, não estava entendendo nada. Seu corpo parecia esmorecer, esmorecer…

Pessoas se aglomeraram ao redor daquele carro. O motorista, atônito, desceu do carro e olhou aquela desconhecida no chão, um fio de sangue a escorrer pelo canto da boca. Em meio à confusão, lembrou-se de chamar uma ambulância. Depois de algum tempo, a jovem mulher foi colocada na ambulância, que partiu em disparada, com a sirene a denunciar a gravidade da situação.

No pronto-socorro, Márcia foi levada para a urgência e diagnosticada com traumatismo craniano. Mas um sério problema afligia os médicos: quem seria aquela mulher, bonita, jovem, bem vestida, mas sem documentos. Como avisar à família? Márcia recebeu os primeiros socorros e foi encaminhada à U.T.I. Todos os esforços do hospital para localizar os familiares foram infrutíferos. O que não se sabia era que, na hora do acidente, com a confusão gerada, uma mulher aproximou-se fingindo socorrê-la e lhe roubou a bolsa e a sacola.

No dia seguinte, como não aparecera ninguém para procurá-la, a administração do hospital resolveu recorrer à polícia: Não, não tiveram nenhum registro de desaparecidos. O que fazer, então? Chamaram a imprensa: “Jovem desconhecida encontra-se internada em UTI vítima de traumatismo craniano causado por acidente automobilístico”.

Enquanto isso, na sua cidade, os pais de Márcia começavam a se inquietar: porque o telefone de casa não atendia? E os celulares? Nem no dia de seu aniversário conseguiram falar com ela. Preocupados com a ausência de notícias, resolveram ligar para a empresa onde trabalhava o marido: - Ele não vem trabalhar há alguns dias. Avisou que estava doente - informaram.

À tarde chega o filho mais velho com um jornal e aquela manchete chama a atenção de Dona Delmira: “Jovem desconhecida encontra-se internada na UTI…” Seu coração pulou dentro do peito: era ela! Era sua filha, tinha certeza. Seu coração de mãe não se enganava. Pegou o primeiro ônibus e dirigiu-se à capital, o coração aos sobressaltos. Depois de quase quatro horas de viagem e muita agonia, chegou à capital, tomou um táxi e se dirigiu ao hospital. Na recepção, depois de esperar com angustiada ansiedade a sua vez, mostrou o recorte do jornal e identificou-se. Levaram-na à UTI e suas suspeitas se confirmaram: sua filha estava ali, desacordada, entregue aos cuidados de médicos e enfermeiros. Disseram-lhe que seu estado inspirava cuidados, mas tudo estava sendo feito por sua recuperação. Dona Delmira saiu da UTI e sentou-se na primeira cadeira que encontrou. O que mais a angustiava era não ter notícias do genro. Ele que se mostrava tão atencioso, que raio de doença tinha que não procurara a mulher? Procurou em sua bolsa o papel em que rascunhara o endereço do casal. Pegou um táxi, mostrou o papel ao motorista e pediu que a levasse até lá. Depois de enfrentarem um trânsito congestionado e algumas ruas esburacadas, chegaram ao seu destino. Através das grades dos portões, viu que o carro se encontrava na garagem. Tocou a campainha. Uma, duas, três vezes. Nenhuma resposta. Voltou para o táxi. Lembrou-se de uma prima que morava ali por perto e resolveu procurá-la. Felizmente a encontrou em casa. Despachou o táxi, entrou e soltou todo o pranto que estava guardado até àquele momento. A prima, Ana, ficou preocupada: correu a fazer um chá de camomila. Enquanto deixava o chá a corar, voltou à sala e quis saber o motivo daquele choro. Dona Delmira então a pôs a par da situação. Ana, mulher acostumada às dificuldades da vida e a enfrentá-las com coragem, se colocou à disposição para ajudá-la no que fosse preciso. Dona Delmira tomou o chá, deixou a sacola no quarto que a prima indicou, voltou à sala e saíram em direção à garagem da casa. Ana pegou seu Fusquinha e seguiram para a empresa onde trabalhava Josinaldo, o marido de Márcia. Procuraram o serviço de pessoal e explicaram toda a situação. Os funcionários se mostraram surpresos. Resolveram que deveriam procurar a polícia para abrir a casa: lá deveria estar a explicação para o desaparecimento de Josinaldo: teria morrido de infarto? Teria sido assaltado e morto?

Depois de passarem na delegacia e de providenciarem um chaveiro, seguiram para a residência. Aberta a casa, entraram devagar, na expectativa do pior. Subiram as escadas, direto ao quarto do casal. Não, ele não estava lá. Percorreram todos os cômodos da casa. Nada. Dona Delmira voltou ao quarto e percebeu a ponta de um envelope embaixo de um dos travesseiros. Sobressaltada, pegou o envelope e abriu. Era a letra de sua filha:

“Meu amor, hoje quero estar mais bonita ainda para comemorarmos meu aniversário. Escolha o melhor restaurante da cidade, quero uma noite mágica, pois tenho uma grande notícia para você. Te amo”.

Tudo indicava que Josinaldo não abrira aquele envelope. Qual a razão, então, de seu desaparecimento? Aí estava um caso para o delegado resolver. Fecharam a casa, seguiram para a delegacia. Tomadas as providências cabíveis, Dona Delmira e Ana voltaram ao hospital.

Passaram-se alguns dias, Márcia melhorava um pouco. O delegado diligenciava na busca do paradeiro de Josinaldo. Um dia Márcia ouviu a voz da mãe: tentava abrir os olhos, mas não conseguia. Tentava falar, em vão.

O delegado, numa de suas rondas, parou num bar próximo à casa do casal. Depois de alguma conversa, o dono do bar lhe disse que havia poucos dias um senhor elegante, trajando um terno escuro, lhe comprara uma garrafa de aguardente. Depois o vira umas duas vezes, mas com a aparência bem diferente daquela primeira vez. O delegado sentiu que ali estava o caminho. Voltou na noite seguinte, na outra. Na quarta noite, o homem apareceu. Sentou-se a uma mesa, a um canto, e pediu uma dose. O delegado se aproximou: - Seus documentos, por favor. O homem olhou-o assustado. Com as mãos trêmulas, pegou a carteira, deixou cair uma caixinha de presente no chão, apanhou-a apressado, retirou a identidade e mostrou-a ao delegado: Josinaldo Ferreira Silva. Era ele.

O delegado perguntou então por sua esposa, mas Josinaldo mostrava-se desconfiado. Afinal, na última vez em que a vira, tiveram uma grande discussão e ele saíra de casa. Nunca tinha visto a mulher tão exaltada, e não imaginara que Márcia pudesse voltar atrás na decisão em que ameaçara terminar seu casamento. Voltando à casa naquela tarde, vira o bilhete sob o travesseiro e não tivera coragem de abri-lo: certamente ali estaria o fim de tudo…

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Obs. da autora: Texto inspirado livremente no conto Quando o amor vai embora, do escritor mossoroense Raimundo Antonio Lopes, que me propôs o desafio em 26.09.2011: "Obrigado, Si, pelas palavras de incentivo. Sei do seu potencial e sei que você jamais faria tantos elogios assim se, realmente, o texto não estivesse tão bom. Mas, fica o desafio: qual o final do texto. O que acontecerá? O que pode acontecer?"

"Vou lhe propor um desafio: faça a segunda parte da história, pela sua ótica investigativa, colocando todos esses ingredientes e dando um final feliz (ou trágico) ao personagem e a sua união, certo? Não tem pressa... Aliás, é um exercício maravilhoso encontrar as falhas e dar um novo final..." (Raimundo Antonio, em 28.09.2011).

"Uau!

Você é a minha alma gêmea das letras? Fiquei espantado! Olha, Si, está ótimo. Eu confesso que não tinha pensado no detalhe do delegado (tinha pensado ele voltando para pegar algum dinheiro e ser visto pela vizinhança - mas o resto, até o acidente, eu havia pensado. O bilhete deixado no envelope era quase igual). Agora, a única coisa que você colocou e não observou foi a garagem. Da rua não dava para ver se tinha carro ou não (a polícia quando vai lá é porque a família observa que o abandono está tomando conta do lugar). O resto está perfeito. Vou guardar.

Obrigado!

Raí"

"Rssssssssssssssssss

Maravilha! Ganhamos com o mesmo enredo! Você foi brilhante e merece o primeiro lugar. Ficou lindo! Parabéns!

Sabe, desculpe a modéstia, mas eu adoro poder ser útil e, principalmente, fazer o bem.

Sucesso!

Um abraço!

Raí"

(Raimundo Antonio, em 24.08.2012).

"