Da TV
Na estação, preocupada com o horário, estava batendo o pé. Não pensou que demorar mais cinco minutos na prateleira de ciência política causaria agora inquietação. Precisava chegar, estar em casa às seis. Havia combinado que devolveria aquela TV naquela quinta-feira. E o problema é que já havia resgatado o dinheiro. Já havia trocado e-mails e já tinham seu endereço. A prateleira era de política e o compromisso era moral. Estava moralmente comprometida em devolver aquele aparelho sem boas condições para uso. Não era bem de vida. E é certo que o cansaço diário com o trabalho e aquelas questões sobre o tempo para cada tarefa já estavam não apenas trazendo tristeza e despotencializando, estavam sobretudo sufocando. A prateleira de ciência política: um alívio. A devolução da TV: um alívio. E era assim que a mente era mantida, aos alívios. Batia o pé discretamente para aliviar aquela tensão com o tempo, com o tempo cronometrado. Aliviava também as dores nas pernas. Dava ritmo ao passar dos longos quinze minutos que deveria esperar por ter ficado cinco a mais noutro lugar. A estação era sempre exigente. Exigia pontualidade, disposição, tarifa. Eram quase cinco e meia e levaria dez minutos a viagem. Estava toda cronometrada. Com a vida toda cronometrada. E com o compromisso moral cronometrando. Aquela TV saíra mais cara do que deveria. Já não se lamentava, nem mesmo sabia se devolver o trambolho seria bom. Começava a sentir falta daquele peso. Daquela TV grande, defeituosa e cara. Havia se acostumado com aquela imagem ruim. E ficar sem nada parecia-lhe uma péssima ideia. Cronometrando o tempo e ainda se demorando algo a mais na livraria. Começava a perguntar o porquê de não ter comprado uns três livros que chamaram atenção, ter perdido o relógio e o trem. Teria assim os livros, a tv quebrada e teria sobretudo quebrado o relógio. Batia o pé e se lembrava dos títulos e quais deles talvez mais fossem queridos. Estava certa sobre honrar seu compromisso moral em devolver a tv, mas não teria de ser na sexta, ou sábado? O dinheiro da tv poderia comprar os livros, a tv ficaria em casa. O trambolho era importante. Estava exausta com o peso das horas corridas e daquela demora daquela espera. Até que se viu fechando o portão próximo das seis. E as seis e dez a tv foi levada de volta. E ela ficou pensando nos livros para comprar.