Santo Domingo!
Com uma música dos Beattles, acordei de subido.
Vizinhos novos.
Dona Gertrudes, a dona do apartamento que dava de frente para a janela do meu quarto já tinha me prevenido contra o quarteto de adolescentes que se auto-intitulavam: Os maiorais.
Olhei para o relógio que marcava oito horas e dezessete minutos. Depois de uma semana super-mega-hiper agitada no escritório, com mais de quinze horas-extras, no bendito dia que até Deus se deu o privilegio de descansar, eu não podia.
Não podia simplesmente por que por mais que eu vedasse cada vãozinho, que eu usasse fones de ouvido e tapasse a cabeça com todos os meus travesseiros e cobertores, eu ainda poderia escutar as músicas a todo volume daquela banda cafona.
Resignada, pus o meu chinelinho havaianas e parti rumo ao chuveiro. Desde que eu me separara de Dereck era sempre o mesmo circuito-fechado, com a pequena diferença de que eu acordava ao meio-dia.
Dereck era o tipo de cara na dele. Já estávamos casados há quase oito anos, e até então, o que parecia perfeito, ruiu como um castelo de cartas. Me lembro, mesmo não querendo, perfeitamente quando, num domingo ensolarado como esse há alguns poucos meses atrás ele chegou para mim enquanto eu lia a última edição da Contigo! Na sacada do nosso (atualmente meu) apartamento, e disse com o seu sotaque britânico:
- My dear, precisamos conversar.
Eu olhei com espanto para ele, enquanto ele se sentava na cadeira de vime que estava em minha frente. Pensei que ele fosse encher lingüiça, fazendo rodeios e voltas, mas para o meu desespero ele foi direto ao ponto:
- Quero a divórcio!
- O que? – respondi rindo, mais de nervosa do que por realmente achar graça daquilo, afinal realmente ele parecia muito sério e convicto.
- Tenho outra mulher, e ela está grávida.
Aquilo me atingiu como um golpe no estômago, melhor dizendo, uma paulada na cabeça. E de repente tudo ficou escuro.
Não sabia dizer quanto tempo se passou, mas acordei deitada na minha cama, com a cabeça latejando. Passei a mão e senti o caroço que havia crescido na parte de trás.
Ainda meio zonza, avistei Dereck no quarto, procurando alguma coisa no guarda-roupa.
- Nossa, querido, tive um sonho tão estranho – sorri – sonhei que você tinha dito que queria o divórcio e que tinha outra mulher e que a fulana estava esperando um filho teu – gargalhei agora – Quanta besteira, não é?
Ele me olhava perplexo e então senti o meu sorriso murchando, murchando e então eu comecei, mesmo sem querer, a recordar de algumas coisinhas. E então, do nada, como se quisesse me dar um choque elétrico, ele soltou:
- Isso não foi um sonho, foi real.
Olhei atentamente e vi a mala dele no chão, e percebi que ele estava guardando as roupas dele ali. E então eu realmente comecei a me assustar. Percebi que não conhecia aquele homem. Agora tudo fazia sentido.
- Não me diga que foi você quem me golpeou na cabeça!? Mostro! Como teve coragem de me agredir!
- Rachel (ele me chamava de “Richel”), você desmaiou.
- Ah – pronunciei quase sem reação.
- E foi um queda e tanto! – continuou ele – Dentro da bacia tem gelo.
Olhei para o lado e vi que na bacia que eu ganhara da Grace no chá de panelas estava cheia de gelo. Peguei um e comecei a esfregar na cabeça.
Agora as coisas realmente pareciam fazer sentido. E uma onde de choro tentou explodir, mas me lembrei de mamãe dizendo: “Rachel, engole esse choro, menina. Engole esse choro!” E de tanto praticar isso na infância, me foi quase que fácil para conter as lágrimas no momento.
- Você vai me abandonar, Dereck? Por favor, diga que não!
- Aimée vai me dar algo que você nunca quis dar!
- Querido, nós já tentamos, mas não deu – supliquei.
Ele parou de arrumar as roupas na mala e me olhou com uma expressão de interrogação:
- Eu não estar intendendo.
- Você não está falando de – hesitei – sexo anal?
- Rachel, um filho, Rachel, um filho!!! Você sempre disse que nunca iria estragar o teu corpo, no entanto, antes de casarmos, nós tínhamos feito planos, não lembra? Um lindo menininho ou menininha, e... você simplesmente evitou que eles se concretizassem.
Eu estava chocada. Como ele poderia me trocar por outra só por um filho. Só por que eu não queria engravidar. E então as lembranças vieram como um trem-bala japonês: eu não podia engravidar! Eu era uma árvore sem sementes!
- Um filho – balbuciei.
Olhei bem, quase tudo já estava dentro da mala. E eu ali, quase que inerte, sentada na cama. E então tive uma idéia: levantei-me e fui até cozinha. Peguei álcool e fósforos.
Subi as escadas correndo, antes que o tempo terminasse. Cheguei, e abri a garrafa de álcool, lançando o líquido sobre as roupas de Dereck, e então eu risquei um fósforo e joguei, sem hesitar. E então uma labareda se fez entre a mala e o teto.
Parei diante das marcas de queimado do meu lindíssimo – e caríssimo – tapete persa. De que adiantara tudo aquilo? Dereck se foi.
O doutor Abelardo Galeana, um dos melhores advogados do Rio de Janeiro, veio me procurar no meu escritório três dias após “o fato”. Claro, nesse meio tempo, só faltaram os meus olhos caírem, de tanto que eu chorei – chorava quando via uma cena romântica na teve, chorava quando via um casal de namorados, mas chorei muito mesmo quando vi a nova propaganda das Fraldas Pampers. Os bebês eram tão lindos, tão amáveis! Ah, é claro que de três em três minutos eu ligava para o meu excelentíssimo quase-ex-esposo tentando fazer com que ele perdesse esse título, mas é obvio que ele não me atendeu. Devia estar no nheco-nheco com aquela talzinha.
Mas enfim, Galeana ajeitou todos os papeis, no entanto pus uma condição para que eu os assinasse: teria que ver Dereck assinando-os em minha frente.
E assim foi, na mesma noite nos encontramos no escritório do advogado. E enquanto ele assinava, eu anunciei:
- Dereck, eu estou grávida.
E ele me olhou perplexo, e então disse:
- Rachel, nos nunca transamos sem camisinha, e também você sempre tomou os anticoncepcionais (realmente, eu tomava só para fazer cena)
E então me resignei e assinei os papéis.
A marca no teto também estava ali. Ainda não havia tido coragem de limpa-la. Um sentimento de tristeza me abateu, mas então percebi que a música do apartamento vizinho havia cessado.
Peguei uma calcinha, um sutiã e uma camisola limpa. Tirei o roupão, jogando-o no chão. Admirei o meu corpo nu no espelho. Meu Deus! Precisava urgentemente voltar para a academia: todas as partes já começaram a ficar flácidas de novo.
E então ouvi uns risinhos, e quando olho para o lado vejo dois dos “maiorais” me espiando na janela. Eles sorriram e abanaram, e eu, furiosa, juntei um Scarpin, abri o vidro da janela, e atirei neles com toda a força.
Que desgraça, foram quase 400 reais naquele sapato. Que desastre faltava acontecer na minha vida?