Ruínas - Parte II
Rosa!Acorde!Sacudia a mulher com força pra que recobrasse a consciência.
Abriu os olhos idiotas, via, mas não compreendia,parecia um vegetal.
O menino assustado olhava a mãezinha sem poder entender aquilo, a mulher não pronunciava coisa alguma, levantou-se,ignorando os chamados da criança, foi em direção a janela, mediu bem a distância até o chão e pulou.Estava livre.
-Pai, onde ela foi?
-Não sei, ela não está bem,precisamos achá-la.
Saiu com a criança no colo procurando a mulher pelas ruas;havia desaparecido feito fumaça.
-Pai!Olha ela ali.
-Rosa!
Virou-se pros dois com um olhar de piedade,mais de si do que deles;cabelos desgrenhados e sujos,não via ambos há dias.
-Não!Não vou voltar!
-Calma, Rosa você está deixando nosso filho assustado,tenha calma,juntos resolveremos isso.
Gargalhou sarcasticamente pro marido;
-Idiota!
O pequeno estava aterrorizado, agarrado as pernas do pai,soluçava, gemia baixinho, uma dor íntima e desconhecida.
-A mamãe está doente filho, vamos levá-la pro hospital.
-Hospital?Você pensa que estou louca?O maluco aqui é você!
Agora estava sedada, calma serena; amortecida da fome e das lutas diárias. Em breve estaria em casa pra que juntos os três pudessem traçar um rumo novo pras suas vidas
-Quando sai os direitos que a empresa tá te devendo homem?
-Não sei Rosa, não sei. Nem dinheiro pro advogado tenho.
-E precisa?
-Deve de precisar, os homens lá,os grandes tão todos endividados,será que sobra algo pra gente?
Era cedo. Despediram-se.Saiu.
Entrou na saleta espaçosa, bem mobiliada, cheia de estantes e livros volumosos. Quanto saber estaria guardado ali? Quantas lutas de classe?Algum sofrimento?Algum deles seria mais pungente que o seu?E ele nem sabia o que era pungente; mas sentia, e sentir dói demais,estraçalha,pulveriza a alma da gente em mil pedacinhos.
O homem alto, ombros largos, cabelos vastos e negros caídos sobre a ampla testa, queixo duro,severo,olhos em lâmina,falou:
-O senhor fede.
-Desculpe, não estou entendendo bem.
-Além de fedido é burro?Fora daqui!
Desconcertado com a situação,voz cambaleando,disse aos tropeções:
-Tomei banho.
-A água não tira seu odor, seu mau cheiro de pobre, e quer saber?Pobre fede.
-O senhor, aliás, você, “autoridade” não merece respeito algum.
Cuspiu no chão.
-Advogadozinho de araque. Num homem feito eu você não pisa. Até logo Doutor cuspe, quanto ao Grande doutor Arantes... Quisera ele ser igual a você senhor cuspe.
O outro enfurecido engoliu a vergonha e o desaforo.
Saindo de lá rumou pra defensoria pública; um dos sócios da empresa deu de garantia os próprios bens pra saldar a dívida com os funcionários, esse sim era Homem.