Eternos Amigos
A vida é uma estrada desconhecida e em meio a este caminho que às vezes é tão íngreme, pensamos estar sozinhos e perdidos. Até o momento em que descobrimos que não somos solitários, através de uma grande amizade. Mas a vida, madrasta como sempre, às vezes é brisa leve às vezes tempestade. Seguimos solitários até o dia em que encontramos aquele que partilha do nosso destino.
O que vocês irão ler agora aconteceu há três meses, quando meu amigo e eu estávamos bebendo uns vinhos para nos despedir. São pequenas ponderações acerca do mundo, das pessoas, da vida e seus sentidos ou destituída deles. Tudo o que lhes narro agora, começou com o João lamentando-se por fracassar em sua procura por emprego em nossa cidade e ter que adiar seus sonhos e partir para trabalhar em outro estado. Ele iniciou falando assim.
̶ Eu não entendo. As pessoas se vendem tão facilmente, abrem mão de valores incalculáveis por motivos tão fúteis e não percebem que a honra de que agora estão se desfazendo é um bem irrecuperável.
̶ Sabe João. As coisas estão como elas sempre foram nada mudou ̶pelo menos para melhor ̶, tudo está ruim como sempre foi, as pessoas são gananciosas, elas não percebem que a cobiça é o extremo que instiga os homens a lutar de forma errada por aquilo que não lhe é de direito. Nós, seres humanos somos corruptíveis por natureza, nossa capacidade de fazer o bem e falar a verdade é praticamente ínfima se formos analisar no mesmo patamar com o qual temos a facilidade em deturpar os valores.
̶ Isso não é justo e você sabe que não é, Diego! Eu vinha me preparando há tempos para um dia entrar nesta empresa e não precisar fazer como os outros de nossa idade, ter que viajar para tentar construir um futuro em outro lugar. Fiz o curso, cortei até o cabelo para aquela entrevista de emprego e no final o selecionado foi o sobrinho de um dos arquitetos. Que valor tem uma empresa desta, que não é justa em seus critérios de seleção?
̶ Não desanime, você poderá tentar em outra empresa. Pare de chorar e erga-se, o mundo não vai te fazer carinho, o teu pai, as mesmas mãos que antes te afagavam hoje te sacodem e a boca que dizia palavras de consolo, hoje grita para que você cresça e vá à luta, pois não é mais uma criança.
̶ Ir à luta... Lutar pelo quê? Todo mundo diz que eu sou um vagabundo, drogado, só porque eu bebo. Queria que todos fossem à merda, eles sempre esperam o pior de mim, qualquer dia eu vou mostrar a eles o meu lado ruim. Se para eles eu sou um delinquente, então assim serei!
̶ Se você fizer isto estará apenas afirmando o que eles pensam de você e, eu o conheço, sei que você não é este cara que eles falam. Eles querem destruir seu espírito, tirar seus sonhos depois sua vida, fazendo você pensar que lutar é só ilusão.
̶ Talvez você não me conheça tão bem, acho que nem sei quem sou. Tem dias que penso seriamente em desistir de tudo, mas não o faço. A necessidade de viver transborda em mim, porém neste momento me sinto vazio e desiludido, pra mim o mundo é um lixo, a vida é um circo e eu sou o palhaço no meio disto tudo.
̶ Você será o que quiser ser, não o que as pessoas pensam, o que as circunstâncias impõem e o presente esfrega em sua cara. Cabe apenas a você agora escolher, entre perder a batalha e continuar lutando ou dar-se por vencido e entregar as armas. Não se desespere, o homem que tem por guia a cautela nunca se encontra confuso perante situações adversas. ̶ Beba um pouco mais e relaxe aí, você tá precisando.
Quando acabei de falar e sugeri ao João que bebesse mais um pouco ele se dirigiu ao garçom e pediu outra garrafa de vinho:
̶ Garçom traga-me a garrafa do teu melhor vinho, pois beberemos in memória daqueles que estão mortos mesmo que ainda vivos. Não nos julgue de maneira errada, apenas atenda nosso pedido. Hoje descobrimos, que não se deve chorar pelos que partiram, sim por quem ficou neste mundo, porém não sabe nada sobre o viver.
E o garçom, não satisfeito em apenas servir a bebida, quis dar conselhos:
̶ Olha, sei que não é de minha conta, mas vocês já beberam bastante, não acham que exageraram? Quando beber deixa de ser algo prazeroso e torna-se um flagelo é sinal de que algo está errado. Vocês deveriam parar por hoje, não acham?
O João respondeu-lhe à altura. Claro, que como estava bêbado, o que ele disse soou para o garçom ininteligível, mas para mim que falo bem o idioma dos bebuns, entendi tudo:
̶ Escuta aqui meu camarada, quem é você pra dizer quando devo ou não parar? Pra mim, beber não é nenhum flagelo, muito pelo contrário. Pra mim que já aproveitei tanto... Que já vivi tanto. A tristeza não é opção, é estado de espírito. Isso não me cura nem me fere é inerente ao que vivo, então eu bebo o quanto eu quiser e fico triste quando quiser, captou?
Dizendo isso o João pegou o vinho na mão do garçom e voltou cambaleando para a mesa, sua embriaguez era absurda, mas eu não estava em condição diferente. Chegando à mesa ele voltou a falar:
̶ Sabe Diego... Penso todos os dias na morte, porque o viver incita-me a isto. O homem a quem a transitoriedade não perturba nada mais é que um ser predestinado ao esquecimento. Porém estes pensamentos às vezes me causam tristeza, pois acho o preço que se paga pelo descontentamento com a vida demasiadamente dispendioso. Sinto como se estivesse em meio a uma guerra real usando bala de festim.
̶ Não se preocupe você não está só, também penso muito na morte. Todos nós, sendo rico ou pobre feio ou belo, santo ou herege, acabamos sempre no mesmo lugar, o túmulo. Este é o portal que conduz todos ao mesmo destino, independente de quem tenha sido ou a forma como tenha vivido. Não se importe com o que pensam de você, nenhum ato inferioriza a magnitude de nossa companhia, a sociedade pode nos ver como quiser. Como gênios, loucos, alcoólatras ou sem futuro, mas no fundo eles sentem inveja de nossa independência.
̶ Pois é meu caro, nem sei mais o que pensar, eu que sempre fui cheio de respostas, hoje me encontro mudo diante da pergunta mais importante. O que será de nossas vidas daqui pra frente?
̶ Não me pergunte, pois também não sei. Eu pensava que a vida era amarga e me achava cheio de razões e justificativas para vê-la deste jeito, hoje, enquanto nos despedimos aqui sinto o amargor da vida, porém não sei o motivo. Acho que deveria estar triste, mas o que sinto é outra coisa. Espero que pra onde você vá, se dê bem e que nunca se esqueça do seu amigo aqui.
Terminamos a ultima garrafa de vinho, pagamos a conta e nos dirigimos para fora do bar. O João viajaria em três dias, então decidimos comprar mais uma garrafa e esperarmos o dia amanhecer, enquanto conversávamos mais. Era uma madrugada de junho e fazia um frio razoável, as estrelas se encontravam ocultadas pela densa nuvem que cobria o céu nesta época, o sol esforçava-se para trespassar a névoa e irradiar seus tímidos raios naqueles dias de inverno.
Nunca me esqueço deste dia, eu sempre adorei ver tanto o amanhecer, quanto o pôr-do-sol. Nestas horas é como se o tempo não existisse, como se nada tivesse definição, como se a noite e o dia fossem um só e tudo durasse para sempre nestes breves minutos de indefinição. É nesta hora que podemos ver o quanto somos pequenos comparados à imensidão do universo e o quanto somos transitórios. Quando finalmente chegou o dia, o João viajou e eu tive que me habituar a viver sem meu único amigo de aventuras.
As loucuras são sempre boas pra afirmar a vida, o único problema é quando esta fase cessa e resta apenas o sentimento de nostalgia e morbidez, aí ficamos presos a um passado que sempre nos parece melhor que qualquer condição em que estamos. Perdi-me um pouco nos labirintos da vida para finalmente encontrar-me naquilo que sempre fui. Um louco solitário, um indigente cheio de sonhos.
O que vocês irão ler agora aconteceu há três meses, quando meu amigo e eu estávamos bebendo uns vinhos para nos despedir. São pequenas ponderações acerca do mundo, das pessoas, da vida e seus sentidos ou destituída deles. Tudo o que lhes narro agora, começou com o João lamentando-se por fracassar em sua procura por emprego em nossa cidade e ter que adiar seus sonhos e partir para trabalhar em outro estado. Ele iniciou falando assim.
̶ Eu não entendo. As pessoas se vendem tão facilmente, abrem mão de valores incalculáveis por motivos tão fúteis e não percebem que a honra de que agora estão se desfazendo é um bem irrecuperável.
̶ Sabe João. As coisas estão como elas sempre foram nada mudou ̶pelo menos para melhor ̶, tudo está ruim como sempre foi, as pessoas são gananciosas, elas não percebem que a cobiça é o extremo que instiga os homens a lutar de forma errada por aquilo que não lhe é de direito. Nós, seres humanos somos corruptíveis por natureza, nossa capacidade de fazer o bem e falar a verdade é praticamente ínfima se formos analisar no mesmo patamar com o qual temos a facilidade em deturpar os valores.
̶ Isso não é justo e você sabe que não é, Diego! Eu vinha me preparando há tempos para um dia entrar nesta empresa e não precisar fazer como os outros de nossa idade, ter que viajar para tentar construir um futuro em outro lugar. Fiz o curso, cortei até o cabelo para aquela entrevista de emprego e no final o selecionado foi o sobrinho de um dos arquitetos. Que valor tem uma empresa desta, que não é justa em seus critérios de seleção?
̶ Não desanime, você poderá tentar em outra empresa. Pare de chorar e erga-se, o mundo não vai te fazer carinho, o teu pai, as mesmas mãos que antes te afagavam hoje te sacodem e a boca que dizia palavras de consolo, hoje grita para que você cresça e vá à luta, pois não é mais uma criança.
̶ Ir à luta... Lutar pelo quê? Todo mundo diz que eu sou um vagabundo, drogado, só porque eu bebo. Queria que todos fossem à merda, eles sempre esperam o pior de mim, qualquer dia eu vou mostrar a eles o meu lado ruim. Se para eles eu sou um delinquente, então assim serei!
̶ Se você fizer isto estará apenas afirmando o que eles pensam de você e, eu o conheço, sei que você não é este cara que eles falam. Eles querem destruir seu espírito, tirar seus sonhos depois sua vida, fazendo você pensar que lutar é só ilusão.
̶ Talvez você não me conheça tão bem, acho que nem sei quem sou. Tem dias que penso seriamente em desistir de tudo, mas não o faço. A necessidade de viver transborda em mim, porém neste momento me sinto vazio e desiludido, pra mim o mundo é um lixo, a vida é um circo e eu sou o palhaço no meio disto tudo.
̶ Você será o que quiser ser, não o que as pessoas pensam, o que as circunstâncias impõem e o presente esfrega em sua cara. Cabe apenas a você agora escolher, entre perder a batalha e continuar lutando ou dar-se por vencido e entregar as armas. Não se desespere, o homem que tem por guia a cautela nunca se encontra confuso perante situações adversas. ̶ Beba um pouco mais e relaxe aí, você tá precisando.
Quando acabei de falar e sugeri ao João que bebesse mais um pouco ele se dirigiu ao garçom e pediu outra garrafa de vinho:
̶ Garçom traga-me a garrafa do teu melhor vinho, pois beberemos in memória daqueles que estão mortos mesmo que ainda vivos. Não nos julgue de maneira errada, apenas atenda nosso pedido. Hoje descobrimos, que não se deve chorar pelos que partiram, sim por quem ficou neste mundo, porém não sabe nada sobre o viver.
E o garçom, não satisfeito em apenas servir a bebida, quis dar conselhos:
̶ Olha, sei que não é de minha conta, mas vocês já beberam bastante, não acham que exageraram? Quando beber deixa de ser algo prazeroso e torna-se um flagelo é sinal de que algo está errado. Vocês deveriam parar por hoje, não acham?
O João respondeu-lhe à altura. Claro, que como estava bêbado, o que ele disse soou para o garçom ininteligível, mas para mim que falo bem o idioma dos bebuns, entendi tudo:
̶ Escuta aqui meu camarada, quem é você pra dizer quando devo ou não parar? Pra mim, beber não é nenhum flagelo, muito pelo contrário. Pra mim que já aproveitei tanto... Que já vivi tanto. A tristeza não é opção, é estado de espírito. Isso não me cura nem me fere é inerente ao que vivo, então eu bebo o quanto eu quiser e fico triste quando quiser, captou?
Dizendo isso o João pegou o vinho na mão do garçom e voltou cambaleando para a mesa, sua embriaguez era absurda, mas eu não estava em condição diferente. Chegando à mesa ele voltou a falar:
̶ Sabe Diego... Penso todos os dias na morte, porque o viver incita-me a isto. O homem a quem a transitoriedade não perturba nada mais é que um ser predestinado ao esquecimento. Porém estes pensamentos às vezes me causam tristeza, pois acho o preço que se paga pelo descontentamento com a vida demasiadamente dispendioso. Sinto como se estivesse em meio a uma guerra real usando bala de festim.
̶ Não se preocupe você não está só, também penso muito na morte. Todos nós, sendo rico ou pobre feio ou belo, santo ou herege, acabamos sempre no mesmo lugar, o túmulo. Este é o portal que conduz todos ao mesmo destino, independente de quem tenha sido ou a forma como tenha vivido. Não se importe com o que pensam de você, nenhum ato inferioriza a magnitude de nossa companhia, a sociedade pode nos ver como quiser. Como gênios, loucos, alcoólatras ou sem futuro, mas no fundo eles sentem inveja de nossa independência.
̶ Pois é meu caro, nem sei mais o que pensar, eu que sempre fui cheio de respostas, hoje me encontro mudo diante da pergunta mais importante. O que será de nossas vidas daqui pra frente?
̶ Não me pergunte, pois também não sei. Eu pensava que a vida era amarga e me achava cheio de razões e justificativas para vê-la deste jeito, hoje, enquanto nos despedimos aqui sinto o amargor da vida, porém não sei o motivo. Acho que deveria estar triste, mas o que sinto é outra coisa. Espero que pra onde você vá, se dê bem e que nunca se esqueça do seu amigo aqui.
Terminamos a ultima garrafa de vinho, pagamos a conta e nos dirigimos para fora do bar. O João viajaria em três dias, então decidimos comprar mais uma garrafa e esperarmos o dia amanhecer, enquanto conversávamos mais. Era uma madrugada de junho e fazia um frio razoável, as estrelas se encontravam ocultadas pela densa nuvem que cobria o céu nesta época, o sol esforçava-se para trespassar a névoa e irradiar seus tímidos raios naqueles dias de inverno.
Nunca me esqueço deste dia, eu sempre adorei ver tanto o amanhecer, quanto o pôr-do-sol. Nestas horas é como se o tempo não existisse, como se nada tivesse definição, como se a noite e o dia fossem um só e tudo durasse para sempre nestes breves minutos de indefinição. É nesta hora que podemos ver o quanto somos pequenos comparados à imensidão do universo e o quanto somos transitórios. Quando finalmente chegou o dia, o João viajou e eu tive que me habituar a viver sem meu único amigo de aventuras.
As loucuras são sempre boas pra afirmar a vida, o único problema é quando esta fase cessa e resta apenas o sentimento de nostalgia e morbidez, aí ficamos presos a um passado que sempre nos parece melhor que qualquer condição em que estamos. Perdi-me um pouco nos labirintos da vida para finalmente encontrar-me naquilo que sempre fui. Um louco solitário, um indigente cheio de sonhos.