CEM DENTES
 
Por Carlos Sena

 
Dona Laura chegou numa padaria e foi logo dizendo: quero uma bolachinha molinha pra uma "mulé que tem sem dente". O Balconista ficou sem entender, mas como conhecia Dona Laura então ele insistiu na pergunta. – Não entendi, Dona Laura, como é essa bolachinha molinha pra uma mulher que tem cem dentes? – Ora sei lá, é que uma véia que mora perto de mim sabendo que eu vinha pra padaria me pediu pra comprar essa bolacha molinha, seu coisa! – Mas D. Laura, essa mulher tem tanto dente assim e a senhora vem comprar uma bolacha molinha, quando deveria ser a mais durinha, não? – Claro que não, porque a minha vizinha num tem nenhum dente na boca e sendo molinha ajuda ela engolir direitinho, meu filho. – Vamos logo, veja se tem essa tal de bolacha que eu já estou sem paciência.
O balconista, finalmente compreendeu que não era a mulher que tinha cem dentes, mas D. Laura queria dizer “uma mulher que existia sem dentes” e que era sua vizinha... No decorrer dessa prosa, um gaiato que estava por perto, sabendo que D. Laura era “pavio curto” e começou a chamar a pobre anciã de LAURA SEM DENTES... Sempre que D. Laura passava no centro da sua cidadezinha, lá vem a voz por traz de um poste ou coisa parecida: “LAURA SEM DENTE”, Ô LAURA SEM DENTE? Mas a coitada não conseguia saber de onde vinha aquela voz que tanto lhe importunava. Aborrecida com esse gaiato, mas sem poder fazer nada para contê-lo, a coitada deixou inclusive de fazer o seu programa preferido: ir à missa todo dia para se confessar e comungar.
Certo dia, o pároco da cidade, sentindo a falta de Dona Laura em suas missas, ao avistá-la do outro lado da rua apressou o passo para saber o que estava acontecendo. Mas ela estava um pouco distante quando o padre então decidiu chamar o seu nome. “D. Laura, D. Laura”? Ela fingia que não estava ouvindo porque achava que fosse alguém para lhe chamar de LAURA SEM DENTE. O padre, embora já chegando perto dela, decidiu gritar mais alto como que querendo testar a audição da pobre velha: “D. Lauraaaaaaaa”? -  “Vá tomar no cu seu safado”! Quando ela se tocou que se tratava do padre, caiu num pranto e foi logo cuidando de se explicar. O vigário a acalmou e saiu com ela em direção à igreja. Quando já ia chegando na entrada da casa paroquial, eis que o gaiato aparece e grita “LAURA SEM DENTE”! O padre conseguiu ver a cara do safado do gaiato e mandou chama-lo em confissão. Condenou o galhofeiro a comprar todo dia o pão de Dona Laura... Se a penitência foi cumprida não sabemos, mas que Dona Laura nunca mais deixou de ser LAURA SEM DENTE, não deixou não.