Foi assim que aconteceu;
Dias atrás eu assaltei um banco. Bem, não foi propriamente um assalto, por assim dizer. Pelos meus poucos conhecimentos no assunto (a semântica da coisa toda), o correto seria: Dias atrás eu roubei um banco. Construção verbal que também não está totalmente correta, visto que não foi um banco, por assim dizer, e sim um caixa eletrônico próximo a um posto de gasolina. Desse modo, temos: Dias atrás eu roubei um caixa eletrônico próximo a um posto de gasolina. Não, ainda não está certo. Lembro-me que tive a bondade de deixar o caixa eletrônico exatamente onde o encontrei, visando apenas o dinheiro que se escondia entre suas chapas de metal. Acompanhem comigo: Dias atrás eu roubei dinheiro de um caixa eletrônico próximo a um posto de gasolina. Pronto, perfeito.
Ok, tudo bem, na realidade este seria um exemplo dos bons de coerência textual se o que acontecera tivesse realmente acontecido dessa forma. Admito, bastante chateado e com o ego um tanto quanto ferido, que não consegui concluir o furto. A causa não fora nobre, não pensem que o remorso bateu à porta quando me lembrei de nossas pobres instituições bancárias. O problema, na verdade, foi de cunho prático.
Veja bem, sou formado em engenharia química por uma das melhores universidades do país, trabalhei durante anos no setor de fusão química de uma grande empresa do ramo (adivinhem) químico. Já presenciei, no cotidiano do meu trabalho, um número maior de explosões que qualquer oficial do esquadrão antibombas brasileiro sequer sonhou em contabilizar. E isso significa que, afinal de contas, eles devem ser muito bons no que fazem? Não, isso quer dizer o seguinte: eu entendo de explosões. Sempre fui fascinado por explosões. Aos sete anos de idade tudo o que eu mais queria era um kit de química, cujo brinquedo servia apenas para misturar um elemento com outro e vê-los borbulhar. Aos doze, num desses projetos de ciência, montei um vulcão de miniatura que, ao invés de entrar em erupção, impressionava a banca avaliadora ao espalhar lava (de mentirinha) por toda a sala de aula, depois de uma explosão modesta, porém significativa ao meu eu de quase vinte anos atrás. Aos dezenove aprendi com Clube da Luta que é possível criar napalm com itens caseiros. Como resultado, passamos muito tempo sem tomar suco de laranja concentrado e usando apenas sabão com baixa densidade molecular. Concordemos, então, que explodir um simples caixa eletrônico não deveria ser um problema para mim, sendo, na verdade, um ótimo exercício de relaxamento e aceitação do meu eu-interior. Surpreenda-se, portanto, ao saber que o único e exclusivo fracasso da minha empreitada ao mundo do crime foi a falta de uma reação exotérmica de oxidação. Sim, caros amigos, faltou o fogo.
A ironia sempre está na simplicidade das coisas. Um processo químico tão simples, praticado desde os tempos mais remotos e, por convenção, um elemento fundamental no nosso cotidiano mostrou-se a única barreira ao meu plano malévolo de usar meus conhecimentos para o mau. “Grande conhecimento”, diria você, numa pífia tentativa de me insultar, e concluiria: “Sabe quem teve sucesso na difícil tarefa de manejar o fogo? Os homens da caverna. Quão inteligentes eram eles, então?”.
Tudo aconteceu mais ou menos assim: Eu fui demitido, constatei que precisava de dinheiro e que uma ânsia quase que incontrolável de explodir alguma coisa tomava agora conta do meu ser. Decidi, portanto, unir o útil ao agradável, ou, numa interpretação mais fiel à realidade, unir o errado ao criminoso: iria explodir um caixa eletrônico.
Não foi difícil decidir que tipo de explosivo usar, já que praticamente qualquer um que eu costumava preparar na garagem da minha casa (apenas por diversão) conseguiria concluir o trabalho rapidamente. Mais fácil ainda foi prepará-lo, como se eu fosse uma daquelas cozinheiras de mão cheia que sempre acertam o ponto quando decidem preparar algum bolo. Apenas substitua o termo “cozinheira de mão cheia” por “químico psicologicamente perigoso” e “bolo” por “explosivo de alta periculosidade”.
Era um tipo de dinamite condensada, contendo inúmeros elementos químicos complicados demais para serem explicados num texto tão descontraído. Digamos apenas que era um explosivo dos bons e que ele tinha um pavio curto, metafórica e literalmente.
Durante algum tempo passei a observar o caixa eletrônico. E não, eu não estava vigiando para que ele não fugisse, engraçadinho. Esperava apenas seu abastecimento, de modo que eu pudesse lucrar o máximo possível com o mínimo de esforço possível. Afinal, tudo o que eu teria que fazer era acionar o detonador, tapar os ouvidos e sair dali tranquilamente. Talvez eu não conseguisse sair dali tranquilamente, talvez eu tivesse que correr ou mesmo fugir da polícia, mas é como dizem: ossos do ofício.
Finalmente aconteceu. Era uma quarta-feira qualquer, como todas as outras. Nesse dia, no entanto, meu alvo recebeu uma rápida visita de dois sujeitos uniformizados, carregando um recipiente que continha, obviamente, dinheiro. No entanto, tais recipientes eram muito diferentes dos sacos marrons com cifrões impressos em ambos os lados que os desenhos animados implantaram em nossas mentes. Os sujeitos chegaram, abriram o caixa eletrônico com todo cuidado (sempre alerta), supriram-no com dinheiro e saíram dali rapidamente. É claro que eu interpretei tal acontecimento como uma mensagem pessoal: Vai fundo!
E eu fui. Foi na noite daquela quarta-feira que tudo aconteceu. Ou melhor, que nem tudo aconteceu. Vamos à história: Dirigi-me ao caixa eletrônico por volta das onze horas da noite. Não estava uma noite fria, uma temperatura agradável decidira pairar sobre a cidade nesse dia específico. Parei o carro em um ponto um tanto quanto distante do que seria meu novo amigo eletrônico. Constatei que o posto já estava fechado, portanto não havia movimento algum nas proximidades. Com cautela, estacionei meu carro num ponto não muito próximo do caixa eletrônico, porém também não muito distante. Diria eu que o carro estava exatamente na divisória invisível que separava tais advérbios de lugar. Sorrateiramente (com uma máscara que, na realidade, era uma touca grande com dois furos no lugar dos olhos e uma mochila verde-escura contendo dinamite suficiente para explodir, bem, para explodir um caixa eletrônico) me aproximei do equipamento, abri a porta de vidro e senti o ar-condicionado me convidando a entrar. Sem rodeios, entrei.
Decidi que talvez fosse uma boa ideia não demorar muito tempo. Rapidamente retirei as duas dinamites de dentro da mochila e, utilizando de uma ferramenta para abrir espaço por entre o módulo dispensador de notas, consegui prendê-las ao equipamento. De dentro da mochila retirei dois aparelhinhos de metal que, presos aos pavios da dinamite, tornar-se-iam os detonadores. Programei-os de modo que eu tivesse tempo de sair do raio da explosão antes que ela ocorresse, porque, bem, não acho que tal decisão precise de explicação. Acionei os detonadores, rapidamente corri para uma distância segura, tapei os ouvidos e fechei os olhos.
Nada aconteceu. Naquele momento, eu pensei que, na realidade, alguma coisa houvesse acontecido, eu apenas não percebera, visto que estava com os ouvidos tapados e os olhos fechados. Segundos depois, após abrir os olhos e destapar os ouvidos, percebi que, na realidade, realmente nada acontecera. Relutante e, mais ainda, com medo de que as dinamites explodissem no momento em que eu entrasse novamente por entre a porta de vidro, já que, bem, já que estamos falando da minha sorte, adentrei o local em que eu deixara as dinamites previamente acionadas. Decidi tentar novamente. Acionar detonadores, correr, tapar os ouvidos, fechar os olhos (não sei exatamente por que) e esperar que, dessa vez, alguma coisa acontecesse.
Nada aconteceu, de novo. Voltei ao local do quase-crime, dessa vez sem relutar e finalmente constatei que os detonadores estavam com defeito. Ótimo, pensava eu ironicamente. No entanto, eu viera preparado para qualquer tipo de eventualidade. No caso de falha dos detonadores, existia uma simples e prática solução: fogo. Sim, eu acionaria as dinamites manualmente, visto que os pavios eram grandes o bastante para que eu pudesse sair dali antes que a dinamite explodisse. Num salto, ou melhor, numa agachada, passei a procurar os fósforos que eu com certeza colocara na mochila antes de sair de casa. Segundos depois, a certeza passara para dúvida e, mais alguns segundos à frente, a dúvida se transformou em pânico e, finalmente, depois de um ou outro segundo adicional, o pânico tornou-se raiva.
Definitivamente eu havia me esquecido dos fósforos. “Droga, quem dera eu fosse um fumante, com certeza teria um isqueiro à mão”, pensava eu, enquanto meus pulmões pensavam algo do tipo: “Que idiota”. Nesse momento, meu nervosismo pareceu atrair a atenção do cara lá de cima que, aparentemente, se irritou com o que eu estava fazendo. E não, não estou falando do seu síndico que mora no apartamento logo acima do seu. Nesse momento, por artimanha do destino ou de quem quer que fosse, eu avistei, ao longe, uma viatura policial se aproximando lentamente do caixa eletrônico.
Num primeiro momento, eu congelei. Foi aí que eu percebi que de nada adiantaria eu permanecer ali, parado, esperando ser abordado com quilos de explosivos e, pior ainda, sem um mísero fósforo por perto, caso eu quisesse exercitar meu lado “psicologicamente perigoso”. Decidi retirar os explosivos e sair rapidamente dali. As dinamites, no entanto, tinham uma opinião totalmente diferente e pareciam ter decidido, em caráter inalterável, que ficariam ali para sempre. Estavam completamente emperradas. Minha visão alternava entre a viatura policial que se aproximava e as dinamites que continuavam absolutamente estáticas no mesmo lugar.
Antes que a viatura chegasse mais próxima ao caixa eletrônico, saí pela porta de vidro aparentando estar completamente calmo, entrei no carro, dei a partida e saí tranquilamente pela avenida onde estávamos. Olho pelo retrovisor e percebo que a viatura policial continuava seu caminho a alguns metros de distância do meu carro. Parei em um supermercado que ficava alguns quarteirões à frente do posto de gasolina. Comprei uma única caixa de fósforos e saí dali com a ideia de que o caixa me achou absolutamente suspeito. Voltei ao carro e decidi gastar alguns minutos dando voltas nos quarteirões ao redor do posto antes de voltar e concluir o serviço.
Serviço este que, posteriormente, descobri que já houvera sido concluído. Qual não foi minha surpresa quando estacionei meu carro ao lado do caixa eletrônico e percebi, atônito, que ele estava completamente destruído. Boquiaberto, desci do veículo, caminhei até os destroços e encontrei a única coisa que poderia me deixar mais irritado do que perceber que usaram minhas dinamites. Encontrei, perdido por entre os escombros do meu falecido amigo eletrônico, a caixa de fósforos que eu trouxera de casa, absolutamente intacta, faltando apenas um fósforo usado para roubar minha ideia de roubar outra pessoa.