CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XXIX – Cuité (PB) - Final
 
          Com essa última parte encerra-se aqui uma quadra da história do Nobre no Banco do Brasil em Cuité, mas fiquem certos de que não estão registradas nem um terço do que fora a sua vida no referido estabelecimento por esse nordeste afora. Claro que tem muita história pra contar, pois em cada lugar que trabalhou há recordações que poderiam ser transformadas em livro. Não sabemos de ele vai querer arriscar, até porque o seu estado de saúde inspira cuidados. Todavia, para essa parte a missão do Pirilampo foi cumprida. Há um cordel feito a seis mãos (Nobre, Pirilampo e Ansilgus), que poderá ser publicado por partes, vamos esperar pra ver. No final deste publicaremos dez estrofes. Um grande abraço a todos que prestigiaram essas páginas ao longo dos últimos meses. Deus lhes pague.

 
CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XXIX – Cuité (PB) - Final
 
A despedida do Nobre
           
     ...Hamilton, um embarcadiço, era torcedor fanático do Expressinho, clube que aos poucos ia angariando mais adeptos, já se podia dizer que as torcidas eram iguais, cinquenta por cento para cada lado. Pois bem, no intervalo do jogo acima citado, num papo daqueles só pra homens, contara que no carnaval de 1968 encontrava-se viajando a bordo de um navio cargueiro que vinha do exterior para o Rio de Janeiro. Chegaria exatamente na terça-feira, último dia de “momo”. Falou que estava “maluco” pra chegar, não aguentava mais... Já ancorados, foi ao centro e comprou uma roupa leve para brincar à noite no Iate Clube, tinha entrada franca. A festa estava animada, de longe avistara uma “apetrechada” mulher que sambava sozinha... Fez sinal e aproximou-se dela... E começaram a dançar numa “gafieira” tremenda... Gente experiente é outra coisa. Uma cervejinha aqui, um “porre” de lança-perfume também, a alegria tomou conta dos dois. Madrugada surge, era a quarta feira de cinzas... Ela o convidara a ir para seu apartamento em Copacabana...como recusar? E lá se foram, ele numa ansiedade, “abilolado”, maluquinho. Chegaram... O apartamento era luxuoso, a mulher rosto lindo e corpo perfeito pelo que aparentava sua roupa...tomaram banho e foram se deitar. Hamilton, carinhoso como era, aproximou-se dela e começara a “amolegar”... De repente notara que se tratava de um travesti, ninguém poderia imaginar, ficara “abiscoitado”, desorientado, em dúvida... Aí a galera que era só ouvidos falara: “Desse uma pisa nela”. – Que nada, dormi até o meio dia...

            Alguma amiga da Jane dissera a ela que seu marido andava se enxerindo pra algumas meninas da terra, parece que queriam fazer inferno, criar uma briga, um clima de intranquilidade. Todo mundo sabe como mulher tem hora que é besta. Incentivaram-na a ligar ao Nobre, a fim de dar um trote, colocar um verde pra pegar um maduro. Disse dona Jane: “Nobre, é verdade que você vai nos deixar, não está mais gostando daqui, sabe que vamos ficar com muitas saudades”? Do Nobre recebera a seguinte resposta: “Deixa de besteira Jane, eu conheço tua voz, agora me deixa em paz, estou ocupado” e desligou. Bem feito, ficaram comendo mosca.

            O Gilberto Maia havia adquirido um campo de futebol de mesa (botões) muito bom (os ricos chamavam de salotex). Disputavam-se campeonatos muito duros na casa dele. Achava-se o número um e dava de goleada em alguns praticantes, mas quando jogava contra o Nobre não ganhava uma, um empate às vezes, o jogo era duro, ele não tinha ainda tanta prática, além do mais usava óculos muito fortes tipo “fundo de garrafa”, mas suas jogadas mereciam respeito. É que Nobre fora criado no ramo, fazia até botão de “quenga” de coco quando era pequeno e quase nunca tomava uma surra. Era respeitado pelos grandes jogadores do Recife, fora campeão algumas vezes em torneios não federalizados.

            Nobre andava um pouco deprimido. Muita vontade de ir embora para subir na vida, mas, de outro lado, a saudade de Cuité já lhe trazia um nó na garganta. Apegou-se muito ao lugar, ao seu povo, conhecia toda a região, mas nunca pensara em fazer política. Até fora aconselhado a se candidatar a vereador... Não deu bolas pra isso.

            Maia, o novo dirigente do Expressinho, arranjara dois jogos de futebol de salão antes da despedida do Nobre, um em Santa Cruz (RN) e outro na quadra nova de Cuité, mas este só seria realizado na noite anterior à viagem, pois se pretendia “bebemorar” como se dizia na época. A partida em Santa Cruz fora disputada num dia de domingo. Na segunda feira, pela manhã, eis que chegara um jipe na pensão de dona Isaura perguntando pelos atletas, na suposição de que eram solteiros; o mais velhinho era o Oswaldo Venâncio, grande árbitro (?). Havia tal de Milagres que era uma moça muito bem educada, mas atrevida, insistira demais, a dona da pensão estava sem saber o que fazer... Foi aí que a mãe do nosso jogador Toinho (que Deus o tenha) entrou na conversa e mandou que elas fossem “baldear” em outro lugar, que todos eram muito bem casados. Jane veio a saber do ocorrido, não se descobriu quem falara. Ficou enraivecida com o Nobre, que não tinha como pagar o “pato”. Enfurecida indagara dele se aquilo era verdade, no que respondera: --“Eu... nem por milagre faria uma coisa dessas”. Ao que parece ela era maluquinha pelo colega Benjamim, mas esse era noivo e a sua amada seria capaz de lhe dar umas bordoadas se viesse a saber disso.

            Dia da despedida, a quadra de esportes estava superlotada, gente de toda a redondeza. E os discursos começaram, Ernani da EMATER (empresa de assistência técnica rural), Maia, o representante do Prefeito, e finalmente o Nobre... tristeza geral...assim é a vida. Haviam feito um “combinado” dos melhores jogadores da vizinhança. Noite bonita. Times em campo. Jogo exuberantee, o da casa dava uma verdadeira aula de futebol de salão. Maia recebia na conta, de calcanhar e era só mandando bola pra dentro do gol adversário. Uma goleada. Perderam a conta. Daí pra frente foi cerveja pra todo lado. A alegria da vitória e da sua nomeação para a primeira gerência fora sufocada pelo sentimento da saudade daquele povo querido, que marcara época em sua vida, e que nunca poderá esquecê-lo. Afinal tem uma filha cuiteense, a doutora Úrsula, grande fonoaudióloga do Recife.

            Antes da viagem o Nobre fizera um telegrama em nome do Brilhante, no sentido desse colega e amigo concorrer à subgerência da agência de Patos (PB), que era muito maior do que a de Cuité. Ele estava com medo de enfrentar a referida filial, eis que muito grande e talvez não desse conta dos trabalhos. “Deixa de ser besta, rapaz, tá doido”, respondera o Nobre. Insistiu pra que assinasse, titubeou, mas assinou. Não colocara a missiva nos correios de Cuité, porque demorava muito...além do mais, o povo logo saberia que ele queria ir embora, e ele era queridíssimo no lugar. Levou pro Recife e de lá o enviou. Com menos de trinta dias estava ele nomeado para as novas funções numa agência maior.

            O Zé Cândido, sogro do Maia, grande comerciante, homem direito e prestativo, amigo como sempre, se prontificara a levar o Nobre e família até o Recife no seu carro zero quilômetro, sem cobrar coisa alguma, pois de lá pegariam o avião com destino a São Luiz, e depois por automóvel até Bacabal. E o fizera. Grande cara, nota dez.
Nota: Não era intenção mencionar nomes, porquanto seria cometida injustiça com alguns amigos, mas por conta da memória Nobre implora mil desculpas a todos que se sentirem desprestigiados com essas simples histórias aqui contadas.
 
Ansilgus.
 
Até breve. Visitaremos Cuité.
Sem revisão.
 
CORDEL – Mote – A saudade de Cuité – Mora no meu coração

O CORDEL DA SAUDADE – 13.04.2012
Mote: A saudade de Cuité/Mora no meu coração
Oitavas de sete sílabas poéticasEsquema de rimas –
ABABCDCD
 

Quanta lembrança que eu tinha
Das terras da Paraíba
De Cuité, pois era minha
Cidade bela e querida
Por vezes pensava até
Voltar pra esse torrão
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Quase sempre a resmungar
Eu dizia pra mim mesmo
Que antes de Deus me levar
Eu saio por aí a esmo
De carro ou mesmo de pé
Mesmo que chegue ao sertão
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Na sexta-feira passada
Acordei-me bem disposto
Falei para minha amada
Levante e nem lave o rosto
Aproveite esse meu axé
Vamos sem afobação
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
--Não pense que estou maluca
Que viagem de repente
Nunca me coube na cuca
--Pois vou sozinho se aguente
Que seja o que Deus quiser
Viajo sem danação
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Então ela acreditou
Levantou bem sonolenta
Disse assim também eu vou
Sabe sou pedra noventa
E pulou só com um pé
Pensei que fosse ilusão
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Corremos logo a comprar
Um gê pê esse pro carro
Pra poder não arriscar
Pensei: A estrada é de barro
Escorrega tal balé
Se exibindo no salão
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Saímos bem apressados
O aparelho a nos guiar
Mas ficamos estressados
Pois começou a endoidar
Porém a estrada filé
Pra minha satisfação
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
A rota não tinha erro
A mesma de antigamente
Aqui e ali um aterro
Com reparo pertinente
Na serra sem meu boné
Relembrei na refeição
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Campina Grande cresceu
Agora ficou maior
O dinheiro que aqueceu
A empurrou para melhor
Do alto vimos um sapé
Era apenas abstração
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
E então fomos seguindo
Já em Alagoa Nova
Mas a Esperança surgindo
Aquilo seria a prova
Na munheca tenho fé
Não posso esquecer, sei não
A SAUDADE DE CUITÉ
MORA NO MEU CORAÇÃO
 
Ansilgus/Pirilampo/Nobre
Nota:
As três pessoas mencionadas acima são somente o Ansilgus.
ansilgus
Enviado por ansilgus em 05/08/2012
Reeditado em 31/08/2012
Código do texto: T3815420
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