O dia de todos os dias - In Contos sem data
- Ah, que sono,mas,por ora,deixa o sono de lado;é preciso acordar de vez e levantar-me.O trabalho me espera.Voltava a cabeça a olhar o relógio.Estou atrasado - ainda assim olhou a esposa ao lado; dormia como uma Lady: roupas de dormir de grife;o tapa olho e tapa ouvido;o penteado do cabeleireiro tal,despenteada,mas ainda bonito a escorrer pelos ombros;o rosto moreno,macio,suave,parecendo pétala de flor;corpinho de uma jovem de 20 anos.Nada que o dinheiro dele não resolvesse.
- Querida,querida.Lembro-me que,ainda no princípio,antes do tudo,terminávamos a Universidade:você,de Direito;eu,Administração.No início,você chegou até a advogar,mas logo,descobriu amigas,sempre lindas,sempre ricas: restaurantes,cabeleireiros,festas beneficentes para cães e gatos de rua;Teatro,Ópera,Balé,Academia... Você,meu amor,não é mais aquela com quem me casei.Esta desconhecida,que diz amar-me,é linda exteriormente,mas interiormente tornou-se vazia,oca,fútil,hipócrita: retrato fiel das relações pessoais da elite.Isto aconteceu,acredito eu,devido a minha promoção na empresa em que trabalho.Hoje sou Gerente Administrativo e tenho uma equipe que trabalha comigo,obedecendo cegamente às minhas ordens,porém se algo não der certo eu serei o responsável.
Desde longos anos este trabalho a se repetir dia após dia.Tudo sempre igual. - Sinto-me,às vezes,sem vontade de levantar da cama,sem vontade nenhuma de trabalhar na sempre mesmice.Estou cansado,não aguento mais.É muita pressão,se acontecer algo errado eu responderei por isto.Semana passada mesma eu tive que demitir dois membros da equipe;o chefe chamou-me e já ofendendo-me: - Incompetente.Demorei uma semana para retificar os erros e enviar o relatório final.Disse-me,depois o chefe,com um tapinha na costa: - Muito bem,você é demais.Sem você esta empresa não estaria em tão boas condições como está.Senti um arrepio a atravessar-me a espinha,chegando à nuca como uma navalha gelada a cortar-me as carnes - ao refletir que continuaria ali,vivendo aquele dia de sempremente igual. - Não,não,quase grito a pleno pulmões.
Sem perceber lágrimas quentes banharam-se-lhe o rosto e,ainda olhando para a porta do seu escritório onde se lia a placa: Gerente Administrativo. Doutor César Augusto de Campos.Deu meia volta e dirigiu-se à saída;a secretária gritou-lhe da urgência de algo,mas não ouvira.Chegou ao estacionamento,pegou o carro e dirigiu-se rumo ao sol nascente.Era um lindo dia.Seu rosto iluminou-se com a claridade do dia e seus lábios distenderam-se num sorriso. - Sou livre,pensou ele.
A esposa nunca mais o viu nem ouviu falar dele.