Uma bala não muito doce


O personagem desse causo (Sr. Pimenta) era encarregado de
algumas pessoas em uma firma, na qual havia também vigilância

armada, apesar de nunca existirem grandes ocorrências. Em
função disso, os vigilantes quase sempre deixavam seus postos
e descuidavam de suas armas. Alguns vigilantes deixavam suas
armas sobre a mesa para não ficarem carregando peso enquanto
tomavam café ou almoçavam. Não que fossem desligados de suas
responsabilidades, é que realmente o local era muito calmo e não
necessitava de grande atenção.
O Sr. Pimenta era tido como uma pessoa não muito bem das
faculdades mentais: ele havia passado por uma cirurgia na cabeça
e foi necessário colocar uma válvula. Tinha os cabelos e barba
muito pretos e seus dentes brancos realçavam as suas generosas
risadas. Eu, particularmente, o achava muito inteligente e esperto,
pois ele tirava proveito de sua fama de doido.
Aproveitando-se de tal situação, o Sr. Pimenta pensou em
tramar alguma brincadeira, para tirar proveito do descuido dos
vigilantes. Ao ler o jornal se deparou com uma reportagem sobre
roleta-russa e ele logo imaginou a pegadinha que iria fazer. Passou
o jornal para todos os colegas e provocou várias discussões com
a turma toda. O fato verídico anunciado no jornal era que vários
adolescentes estavam usando drogas e fizeram a roleta-russa, o que
acabou na morte de um deles. Havia uma foto que estampava a
primeira página do jornal; o jovem caído ao chão, todo ensanguentado

e com a arma na mão. Realmente uma coisa pavorosa, algo
que a loucura durante o uso das drogas leva as pessoas a fazerem.
Assim, Sr. Pimenta começou a preparar o terreno para sua
brincadeira, tinha certeza do êxito e nos cantos já ria sozinho.
Depois que todos tinham lido o jornal, recortou a foto e fixou
no quadro. Sua trama já começava a se desenrolar!
Chegando a sua casa pegou um cápsula de bala vazia calibre
38, igual a das armas dos vigilantes. Com muita habilidade lhe
deu a forma, peso e cor de uma bala carregada. Realmente ficou
idêntico a uma bala verdadeira, e só ele sabia de que se tratava
de uma bala sem perigo.
No dia seguinte levou a bala para o serviço e disse que havia
trazido de casa e a deixou sobre a mesa. Todo mundo pegou na
bala, fez comentários e perguntaram onde ele a tinha encontrado.

Ele disse que possuía um revólver e que há algum tempo o
havia vendido. A bala ficara perdida na gaveta onde guardava o
revólver. Então, Sr. Pimenta continuou a estimular o pessoal a
falar sobre armas, bala e afins.
Na hora do almoço a sala estava cheia de pessoas e os vigilantes,
como sempre, deixaram as armas sobre a mesa. Todos almoçaram
muito e assentaram-se nas cadeiras e começaram a conversar uns
com os outros, alguns cochilavam, outros liam o jornal.
Em um dado momento, o Sr. Pimenta veio para junto da
turma e começou a brincar com o revólver. O vigilante dono da
arma o alertou que estava carregada e que armas não eram coisas
de brincar e principalmente apontar para as pessoas.
O Sr. Pimenta rapidamente tirou as balas do revólver, o que
deixou todos um pouco mais despreocupados. Depois disse que
iria experimentar a bala que havia trazido de casa, e que provavelmente

não iria nem funcionar, pois já havia uns dois anos que
estava jogada em uma gaveta e o tempo e a umidade deveriam
tê-la estragado. Alguém achou que não era uma boa ideia, mas
ele logo colocou a bala no revólver e rodou o tambor. Deu uma
risada pavorosa e disse que gostaria de brincar de roleta-russa:
— Quem gostaria de ser o primeiro?
O vigilante tentou pegar a arma e andou em sua direção, o Sr.
Pimenta apontou a arma para ele e perguntou se ele queria ser o
primeiro. É claro que o vigilante amarelou e ficou completamente
parado. Todos ficaram de olhos arregalados e estáticos. Ele disse:
— Quem se mover será o primeiro! Ou vocês querem que
eu comece por mim?
Rodou o tambor do revólver diversas vezes e apontou para
sua cabeça. Demorou um pouco para causar o maior suspense
possível. Quando acionou o gatilho todos entraram em pânico
e agradeceram a Deus por não ter acontecido nada. Por sorte
a bala não estava naquela câmara. Sr. Pimenta deu uma risada
sarcástica e disse:
— Agora é a vez de qual de vocês?
Depois, rodou o tambor e quando apontou para a turma
foi uma correria só. Um de seus amigos entrou em pânico nem
conseguiu correr, só tampou o rosto com o jornal e foi a vítima
que também deu sorte, pois o tiro não saiu. A cueca tenho certeza
de que deu perda total!
Ele correu atrás dos outros rodando o tambor e apertando o
gatilho e dando risadas. Em pouco tempo perdeu de vista todo
mundo. Sentou-se no chão para recompor-se, pois perdeu as
forças de tanto rir, todos ficaram o mais longe possível e sem
acreditar que em nenhuma das vezes tinham ouvido o disparo.
Realmente o Sr. Pimenta fazia jus a sua fama de doido! Entrou
em uma sala onde não havia ninguém e acendeu uma bombinha:
foi aquele barulho! Todos tiveram certeza de que era o fim do
Sr. Pimenta. Ninguém tinha coragem de se aproximar para ver
o que tinha acontecido.
Depois de alguns minutos, o Sr. Pimenta saiu e tentou convencer

a turma de que ele estava só brincando e de que a bala era
igual à “Denorex”: parecia ser, mas não era de verdade. Explicou o
que havia feito para todos, mas nada de alguém aparecer. Ele, então,

deixou o revólver no chão e se afastou muito até que alguém
saiu correndo, pegou o revólver, examinou a bala e certificou-se
da tremenda pegadinha em que tinham caído. Aí, sim, as outras
pessoas foram aparecendo. Rasparam a ponta da bala tirando a
pintura e viram que era feita de massa epóxi e uns pedaços de
metal para dar peso e aparência real. Alguns se revoltaram com
o acontecido, outros começaram a rir dos colegas mais medrosos
que tinham corrido na hora do aperto; muitos juraram vingança
e até mesmo passar o caso para a chefia. Mas, como Sr. Pimenta
era muito querido, conseguiram mudar os colegas de ideia e não
o comprometeram perante a gerência.
Esse caso é contado até hoje por todos que passam por ali
e é motivo de muita risada. O mais impressionante é que não
conseguiram armar nada para ele; e ele não ficou só nessa pegadinha!

Numa próxima oportunidade conto mais algumas de suas
maquiavélicas tramas.

 

Kennedy Pimenta