A ligação

Segunda-feira, 15:27h.

- Alô?

- Oi...

- Quem é?

- Nem reconhece mais minha voz?

- Desculpa, é que a ligação não ta muito boa. Quem é?

- É o Thiago.

- Ah... Oi, velho, tudo bom?

- Tudo certinho, e por aí?

- Tudo tranquilo.

- ...

- Então... ?

- Não, po, então, eu to te ligando só pra saber como você ta...

- Eu to legal.

- Que bom... É que, sei lá, já faz tanto tempo que eu não sei nada sobre você...

- Pode crer...

- Você me excluiu da sua vida mesmo, né?

- Pois é, velho.

- Por que?

- Por que? Brother, eu nem preciso responder, né?

- Pode crer... Então, eu tava pensando da gente se encontrar esses dias pra conversar essas coisas... Que que você acha?

- Rapaz, eu nem acho que tem mais nada a conversar.

- Não, mas é sério, eu acho que eu preciso te explicar umas coisas e tal.

- Olha, eu não to muito pra explicação e tal... Já faz um tempo e ta tudo tranquilo.

- Então a gente pode ser amigos e tal?

- Velho, nem acho que vai rolar.

- Por que?

- Eu também acho que não há necessidade de responder isso.

- Brother, é sério, eu nem vou tomar muito seu tempo... A gente precisa se ver, nem que seja rapidão.

- ...

- Eu to na sua cidade.

- Pode crer... Veio passear?

- Não, vim atrás de você.

- Pode crer.

- Então, posso te ver hoje?

- Ta. Beleza. Onde você ta hospedado?

- No Praia Hotel perto da sua casa.

- Beleza. Eu passo aí às 21h, pode ser?

- Tranquilo. Vou te esperar, então.

- Beleza.

- Então tá.

- Valeu, então.

- Beijão.

- Valeu.

Segunda-feira, 18:54h.

- Alô?

- Opa, sou eu.

- Opa.

- E aí? Você vem mesmo?

- Vou, vou.

- Ah, beleza.

- Beleza.

- Até mais, então.

- Até.

Segunda-feira, 20:43h

- Oi.

- Ta chegando já?

- To, velho. Relaxa aí.

- Beleza, é só pra saber.

- Beleza.

- Valeu, então.

- Beleza.

- Beijão.

- Valeu.

Segunda-feira, 21:17h

- Boa noite, você pode avisar ao hóspede do 503 que o Felipe ta aqui?

- Só um instante, senhor.

- Ok, obrigado.

- ...

- Ele já está esperando.

- Obrigado.

Segunda-feira, 21:24h

- E aí, velho? Tudo bom?

- Tudo tranquilo.

- Entra aí. Senta.

- E aí, brother? Que que você queria falar?

- Então, Felipe... As coisas acabaram estranhas, né?

- ...

- É... Então, eu nem sei o que falar.

- Sério?

- Não, po, calma... To meio nervoso.

- Aham.

- Assim, primeiro eu queria te pedir desculpas. Eu acho que fui meio sacana contigo.

- Pode crer.

- Tipo assim, eu fiquei com medo mesmo. Fui covarde, não quis arriscar.

- To sabendo.

- Pois é... E eu acho que perdi uma grande oportunidade.

- Aham.

- Perdi?

- Perdeu?

- Perdi?

- Continua falando.

- Então... É que eu tava com medo de me magoar e, sei lá... Achei que me afastando eu conseguiria parar de pensar em você e com o tempo as coisas se acertariam na minha cabeça. Eu só queria ficar bem.

- Pode crer.

- Velho, você pode falar alguma coisa?

- E o que você quer que eu fale?

- Que me desculpa, pelo menos.

- Mas eu não te desculpo, não.

- Não?

- Não. Por que eu deveria?

- Po, eu to sendo sincero... Vim aqui te falar dos meus sentimentos.

- Eu sei.

- Então... ?

- Então o que?

- Então, você me perdoa?

- Já disse que não.

- Mas, velho! Eu to te dizendo que não fiz por mal.

- Olha, melhor eu ir embora. Isso não vai chegar a lugar nenhum.

- Po, velho, para de ser criança!

- Criança?

- É, criança! Eu to sendo o adulto aqui! Sendo sincero e me desculpando.

- Ah, entendi. Então isso é só uma forma de limpar tua consciência, né?

- Não, claro que não.

- Então, olha só... Eu to saindo daqui, ta?

- Não. Você não vai sair.

- Ahn?

- Não antes de me perdoar.

- Brother, não tem o que perdoar, ta? Já passou, pronto.

- Não! Eu preciso que você me perdoe.

- Por que?

- Porque sim!

- Velho, larga meu braço. Você ta me machucando.

- Eu preciso que você me perdoe!!

- Larga. Meu. Braço. Agora!

- Desculpa...

- Eu to saindo.

Segunda-feira, 2:58h

- Alô?

- Tava dormindo?

- Brother, eu vou ter que trocar de número?

- Não, não... É que... Velho, sei lá, eu perdi minha cabeça hoje... A gente pode se ver de novo?

- Não.

- Por favor?

- Não!

- Por que não?

- Velho, boa noite.

Terça-feira, 8:15h

- Bom dia!

- Alô?

- Oi, Lipe! Bom dia!

- Que que você ta me ligando essa hora, cara?

- Eu pensei melhor. Sei o que aconteceu ontem.

- Ahn...

- Então, to te dizendo. Hoje a gente se encontra e vamos resolver as coisas. Tenho uma notícia boa pra você. Ótima, na verdade!

- E o que é?

- Tenho que te falar pessoalmente.

- Brother, você sabe que eu não gosto dessas coisas de surpresa e mistério. Fala logo.

- Não, não, não! A gente se encontra e eu te falo. Juro que você não vai se arrepender.

- ...

- E aí?

- Beleza, velho. Mas, olha, a gente se encontra em outro lugar, ta?

- Tudo bem, onde?

- Eu te ligo mais tarde pra dizer.

- Que horas?

- Eu te ligo mais tarde.

- Sim, mas que horas? Só pra eu me programar.

- Você tem programa pra hoje?

- Não, claro.

- Então, pronto. Mais tarde te ligo dizendo algo.

- Ah, ta... Tudo bem.

- Valeu.

- Beijão.

Terça-feira, 16:53h

- E aí? Resolveu?

- Brother, eu não disse que eu te ligava?

- Eu sei, mas... E aí?

- Olha, eu passo aí às 20h e a gente vai num barzinho aí perto.

- Beleza, beleza. To te esperando.

- Só chego às 20h, ok?

- Certo, certo.

- Até mais, então.

- Beijão!

Terça-feira, 19:26h

- Po, ele não ta atendendo!! Já liguei 4 vezes! Será que ele vem?

Terça-feira, 19:58h

- Eu sabia que ele não vinha!

Terça-feira, 20:06h

- Boa noite, você pode avisar ao hóspede do...

- Eu to aqui!

- Ah, beleza.

- Tava te esperando aqui tem um tempinho.

- Ahn... São 20:10h.

- Eu sei...

- Ok, então. Vamos nessa?

- Bora.

Terça-feira, 20:43h

- Boa noite. Traz uma garrafa de malbec, por favor.

- Pra mim também.

- Basta uma garrafa pra nós dois, não?

- Ah, sim... Sim, sim.

- Bom, e então? O que você queria me contar?

- Então... Tenho certeza quer você vai amar a notícia!

- ...

- Vou morar aqui!

- Ah, é? Legal.

- To esperando sua reação!

- Cara... Por que você vai se mudar pra cá?

- Porque vou estudar aqui!

- Pode crer...

- Então?

- Então o que?

- E aí, gostou de saber?

- Thiago, olha só... Deixa eu te falar. Eu gostei muito de você, mas não rola mais. O que eu senti por você foi inexplicável, tendo em vista o pouco tempo que “ficamos juntos”. Ficamos entre aspas porque não aconteceu de verdade. Eu te excluí da minha vida porque eu realmente queria que você sumisse dela. Se você for meu vizinho, ainda assim, eu não quero contato. Eu achei que a gente teria um futuro juntos, de verdade. Mas, né? Acabou que isso ficou muito no passado.

- Velho, mas seria complicado naquela época... Eu te expliquei. Esse lance de distância é complicado.

- Pois é, hoje em dia a distância não é bem mais física. É emocional.

- Mas eu te disse que eu te guardaria aqui dentro, que nós nos encontraríamos no futuro... E que nós conseguiríamos.

- Olha, Thiago, eu te desejo toda a sorte do mundo... Longe de mim.

- Lipe, por favor, não faz isso.

- Eu não to fazendo nada. Você que fez.

- Eu fiz o que era certo pra nós dois naquela época.

- E quando eu te dei a autoridade pra saber o que é certo pra mim?

- Eu sei que foi.

- Você sabe nada.

- ...

- Olha, to indo.

- Por favor, fica... Termina o vinho comigo.

- Tchau, Thiago.

- Não levanta da mesa.

- O que?

- To falando sério, não levanta. Eu ainda não terminei.

- O que que você quer mais, velho? Sério!

- Eu quero você!

- Thiago, entende: isso não vai acontecer. Simplesmente não vai.

- Eu preciso te beijar, preciso te tocar.

- Não se aproxime mais.

- Eu to falando sério.

- Eu também.

- NÃO LEVANTA!

- Tchau.

Terça-feira, 21:26h

- Lipe, espera!

- Cara, você ta me seguindo?

- To! O hotel é aqui em frente, vamos comigo!

- Larga o meu braço, velho!

- Vamos!

- LARGA!

- Felipe, eu to falando sério, vamos.

- Eu não vou! Eu estou indo pra casa e você vai voltar pro seu quarto, pra sua cidade, pro inferno, mas me deixa em paz, ta?

- Eu preciso de um beijo, pelo menos isso.

- Não chega per...

(...)

- Você vai dizer que não sentiu nada? Aaaaah! Caralho, minha boca! Ta sangrando!

- Eu te disse pra não chegar perto!

- Precisa bater? Porra...

- Velho...

- Eu te amo, Felipe!

- To indo embora...

- Vem cá... Deixa eu te abraçar...

(...)

- Eu não vou mais te soltar, Lipe. Eu to contigo.