O tempo.
Por mais longe que estivesse e sem se importar com os anos que continuavam a passar, ainda conseguia formular palavras doces dirigida ao seu velho romance na voz de seu amado. Usava ainda os mesmo perfumes que ele borrifava em suas cartas antes de enviar. Sentia as mesmas antigas dores como se não estivessem há tempos saradas. E assim ainda o amava. Chegou muitas vezes a pensar em não insistir mais nisso, a tentar aos poucos ficar livre daquele amor fantasmagórico e esquecer a sua voz, o seu cheiro, o brilho de indiferença de seus olhos, o formato exato de sua barba e a marca de seus charutos. Fitava seu rosto marcado em traços pelo tempo no espelho e repetia centenas de vezes que seria a última vez, que esvaziaria seu coração de todos os rastros dele, que não sonharia mais com a sua volta. Repetia, seguindo a mesma rotina desde que ele partiu, com a certeza de que lembrará dele assim que o refrão da primeira música romântica tocar no rádio, quando o vento esbarrar em sua porta, os cachorros latirem e ela sentir medo de não conseguir dormir ou então, quando a lua aparecer na sua vidraça e ela se lembrar de que não pode olhá-lo e dizer: "Como está bonita a lua hoje".
Olhavam-a e cumprimentavam-a com três amáveis beijos no rosto. Perguntavam-se, enquanto ela largava seus tricos e com dificuldade levantava da sua cadeira-de-balanço para servir-lhes um chá com biscoitos, por que será que ela havia escolhido este caminho?, por que sua casa estava vazia?, por que os porta-retratos não estavam cheios de fotos de filhos ou netos?, por que ela havia escolhido a solidão?, óh, por quê? A resposta estava escrita nos olhos daquela velha senhora, mas ninguém lia que suas dores eram destruídas sem morfina, seus antigos amores resistiriam ao tempo que fosse preciso resistir e seu coração, o qual ninguém o sentiu nem o viu se rasgar de amores, ainda em seu silencioso interior vive.