Sombra de mim...

Batia à sua porta, como naqueles filmes você abria com aquele olhar desesperador. Mas não esses filmes! Digo aqueles onde ele dá um passo a frente, a câmera fecha dando um close maravilhoso dos seus traços e seu sorriso irônico se abre. Você olha de um lado, do outro... E simplesmente não há ninguém. Ah... Mas eu venho ciente disso a muito mais tempo do que parece. Olhando assim de longe andando pelo corredor, você poderia me reconhecer como uma sombra. Mas não sou daquelas sombras pesadas e cinzentas. Ando tão leve que nem me dou conta. Pareço mais a distorção de um desejo reprimido. Me esgueirando pelos cantos como se procurasse um ponto cego dos olhares, você pode me chamar de desentendida, ironicamente sádica ou qualquer uma das suas apelações de se sentir melhor... Mas se realmente deseja me reconhecer, volte alguns anos. Volte muitos a muitos anos atrás, onde meu olhar costumava ser doces e um bocado assustado. Sorria inocentemente em abraços muito especiais. Numa época onde tudo parecia inquebrável, meus dias eram um tanto conturbados, com exceção dos finais de semana, tais quais eu esperava ansiosa. Em um dos últimos sábados antes das coisas mudarem, estava tendo uma festa qualquer. Estava tarde de mais para alguém da minha idade permanecer acordada, e a voz de minha tia me pedia para subir e arrumar minha cama para finalmente dormir. Eu subi as escadas devagar e quando cheguei ao quarto, onde meu colchão estava gentilmente estendido no chão logo abaixo dos pés da cama, sentei-me nela. Após levantar-me algumas vezes, tomar água, escovar meus dentes e andar pelo segundo andar inteiro, percebi que o sono não me vinha. Talvez atrapalhado pelo barulho das conversas e sorrisos lá embaixo. Acima de minha improvisada cama havia uma janela. Já era grande o bastante para finalmente alcança-la nas pontas dos pés. Em linha reta, após o muro, o céus estava estrelado, um encanto para meus olhos. Logo abaixo, a maior parte de minha família fazia alvoroço, repleto de risadas exageradas. Tanto acima quanto abaixo do muro, estavam as maiores preciosidades que aqueles meus olhos encontrariam. Ambas brilhavam, eu poderia ficar ouvindo-as por horas e horas, semanas, meses, ou o quanto tempo minha vida durasse.

A maior parte das cadeiras estavam voltadas para o muro onde encontraram uma peculiar e gigantesca sombra: Eu. Foi então quando percebi que a luz do banheiro atrás de mim estava acesa, e a porta aberta, ampliando minha silhueta no muro a minha frente. A mesma voz que outrora pedia para que eu fosse uma boa menina e me deitasse, dizia em voz alta:

- O que é isso? - Apontando minha sombra, e me paralisando. Todos olharam, e como em câmera lente se voltaram a minha figura de olhos refletindo o brilho que havia naquela situação, relutante para conseguir olhar através da janela, na ponta dos pés.

Eu recuei imediatamente, e me joguei contra a parede com um sorriso querendo me escapar pelo canto.

Sinceramente, acho que nunca deixei de ser essa sombra. E é isso que eu estou tentando dizer, entende? Sempre fui a sombra, e tenho orgulho disso. Porque em poucos momentos eu estive tão feliz, e eu acho que a gente nunca deixa de ser o que fomos nos momentos mais felizes das nossas vidas.

Pamella R
Enviado por Pamella R em 23/07/2012
Código do texto: T3792316
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