Exibicionismo, o que é?

A mãe e o filho, de uns 12 anos, estavam na varanda da casa, alugada para uma parte das férias. Ali os dois, sem nenhum programa maior do que virar páginas de um livro (ele), de uma revista colorida (ela). De vez em quando, ela parava de ler para emborcar uma garrafa de água. Num destes intervalos hídricos, o menino vira-se para ela e lhe pergunta:

-- Mãe, o que é ser um exibicionista?

-- Ué, por que esta pergunta agora, assim de repente? Alguém disse que você é, ou você topou com esta palavra aí na sua leitura?

-- Nem uma coisa, nem outra. Eu é que me lembrei assim, por acaso. Eu sei o que é mas, ao mesmo tempo, não sei. Por exemplo: se eu chamo o Arturzinho, o nosso vizinho, para vir ver minha coleção de selos, sou um exibicionista?

A mãe coloca a tampa da garrafa plástica na boca do gargalo, gira pela rosca bem devagar, dando a si mesma tempo para pensar numa resposta à altura da pergunta. Veio-lhe à memória o famoso conto "O plebiscito", com aquela pergunta que o pai não sabia responder. Mas ela responderia:

-- Plesbiscito... quer dizer, exibicionista é quem exibe suas coisas com o que se chama de ostentação, como quem quer mostrar superioridade. Se você mostrar sua coleção de selos como quem se mostra o todo-poderoso, que pode comprar selos por qualquer preço, que conhece filatelistas importantes, e toca quase uma trombeta para anunciar isto, então você é um exibicionista. Mas se você mostrar a tal coleção assim, sem se vangloriar dela mas, pelo contrário, se dividir com o seu colega seu conhecimento sobre alguns dos selos, contando a história de um ou de outro, enfim, repartindo com ele seu conhecimento, aí deixa de ser exibicionismo. Mostra que você quer dividir o que você sabe, que sua coleção é seu prazer e que você quer compartilhar ou ensinar sobre ele para o colega. Será que me expliquei bem?

O menino a olhava com tanto interesse que ela temeu, por uns instantes, ter decepcionado o questionador. Mas ele saiu da sua concentração para outra pergunta:

-- E se eu mostrar para ele minha coleção de troféus de futebol? Com a mesma intenção de compartilhar com ele da minha satisfação em ter sido o melhor goleador da escola em três anos seguidos? Isto é exibicionismo ou não é? Qual é a diferença entre a coleção de selos e os troféus? Eu também posso dizer para ele, ou para qualquer pessoa que venha ver a coleção de selos e a dos troféus, como eu fiz os gols ou como foi difícil conseguir alguns selos. Eu posso compartilhar tudo isto. Mas, já sei, se eu mostrar os troféus, por alguma razão, bate no exibicionismo. Por que será?

-- Não sei, meu filho. Mas parece que é assim mesmo. Vai ver, a diferença está na parte pragmática de cada coleção.

-- Como é isto? Pragmática? Conheço gramática, matemática, mas não sei isto de pragmática. Dá pra explicar?

-- Hoje você está interessado em mil coisas. Acho que o ócio está fazendo bem para alguém... Tudo bem. Olhe, a diferença, acho eu, é que no caso dos selos, você pode compartilhar conhecimento, mas no caso dos troféus, você tenta compartilhar apenas seu orgulho. Será que não está aí a diferença? Agora, pergunto eu, por que tanto interesse neste assunto? Que inseto te mordeu?

-- Vou explicar. Na semana passada, lembra, me convidaram para o aniversário de uma colega. Lembra que eu fui e voltei logo? Pois é. Tudo lá me pareceu de um exibicionismo sem conta. A mãe da menina expôs uma louçada maluca, tudo da Inglaterra, ela mesma disse pra nós. Ficamos com medo de quebrar aquelas xicrinhas, foi um sufoco. Depois, ela botou umas toalhinhas cheias de fricotes, e nos disse que tinha pertencido a uma avó lá pra trás. Imagina se alguém derrubasse alguma coisa nelas. E os copos, todos importados, sei lá de onde. Fiquei com tanto medo de mexer naquelas coisas que fui embora com fome. Inventei que tinha outro compromisso e me mandei de lá. Aquilo foi exibicionismo, não foi?

Outro gole de água, aquela pergunta exigia uma pausa bem hidratada.

-- Olha, vamos ver essa cena de um outro ponto de vista. Quem sabe aquela senhora, mãe da sua colega, queria dizer que havia tradição na família, que todas aquelas peças tinham valor sentimental, coisa e tal? Ela estava, de um certo modo, compartilhando a árvore genealógica da família através da exposição dos pratos, dos talheres, dos copos, de tudo que estava na mesa...

-- Mas, pra nós, garotada que não estava nem aí? Pratos de papelão, copos de isopor e tudo bem. Quem precisava de tanto luxo? Aí ela não estava compartilhando de quase coisa nenhuma, porque nunca falou em tradição, estas coisas de família. Ela foi jogando que a tal louça era inglesa, que os copos eram franceses, que as toalhinhas foram bordadas na Ilha da Madeira, acho que foi lá, nem sei onde fica isto, e pronto. As meninas ficaram impressionadas. Os garotos queriam sumir dali. Teve até alguns que bocejaram ali na frente dela. Eu fiquei olhando pra uma garota e nós rimos. Dali a pouco fui embora.

-- Bom, vai ver a mãe da menina queria agradar a filha, mostrando para os colegas dela que a menina tinha uma família rica, coisa assim. A gente não sabe o que anda na cabeça das pessoas. Mas, regra geral, quem exibe suas coisas é porque tem um vazio dentro de sua vida. Nem sempre isto é verdade, mas como regra geral, vejo que quem tem tanta vontade de expor o lado brilhante da sua vida - cristais, toalhas, louça, o que for - é porque não tem muito mais do que isto para mostrar. Isto me faz até lembrar uma peça que vi no teatro, lá nem sei onde, acho que foi em Madrid. Tinha que ver com limões. Eram lindos por fora, mas por dentro, todos podres. Representava uma família que tinha tudo em ordem na casa, mas no relacionamento entre eles, estava tudo podre. Os exibicionistas podem até ser estes limões também.

-- Olha, o exibicionismo da mulher só me enjoou.

-- Antes que me esqueça, há outro sentido para a mesma palavra. Cuidado, então. Pois um exibicionista é aquele que gosta de mostrar suas partes sexuais, de surpresa, estando numa rua, num elevador, em qualquer lugar público. Vai contra as leis de todos os países. Quem faz isto é um coitado, não tem outra palavra. Na maior parte das vezes, é um rejeitado, pelas mulheres, pela vida. Daí, exibicionismo tem estas facetas, estes lados. Sempre é uma atitude de pessoas sem caráter, do meu ponto de vista. Mas não vá pensar que só porque você mostra sua coleção de selos ou seus troféus para seus colegas, você seja um exibicionista. Nada disto. Vai depender de como você faz chegar até eles sua alegria com as coleções.

-- Em resumo, tudo depende da atitude, não é?

-- Isto mesmo, tudo depende da atitude. Se você mostrar suas coleções com ostentação, como aquele primo nosso, que veio exibir o carro novo, aí é exibicionismo mesmo. Chegou falando quanto pagou, como conseguiu que o dono fizesse mais barato, etc., isto é, ficou exibindo seu poder. Quis mostrar que tinha poder. Aliás, não convenceu. Quem tinha poder mesmo era o dono do carro, que deve se ter livrado daquele calhambeque para o boboca que o comprou. Todos os bobocas têm atitude de espertalhões.

-- Mãe, você hoje está impossível. Sabe de tudo!

-- Olha que não sou exibicionista, não! Estou compartilhando meu conhecimento com você!

Os dois deram uma só risada. Ela retomou sua revista, ele voltou para o seu livro.

Regina Igel
Enviado por Regina Igel em 20/07/2012
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