A morte não perde apostas
Rodolfo acordou tonto sem saber ao certo o que estava ocorrendo ao seu redor; ouviu gritos, mas não sabia de onde estavam vindo; via vultos passando ao redor do lugar no qual estava, mais pareciam com fantasmas negros e turvos. Demorou um pouco para perceber que aqueles vultos eram, na verdade, pessoas correndo em várias direções; sua visão estava vendo tudo em dobro e uma forte dor de cabeça o atormentava assim como também o tórax o estava incomodando bastante.
Com muita dificuldade ele olhou para o lado e viu que seu amigo Jaime estava desacordado com o corpo tombado para frente. Rodolfo tentou esticar o braço para tocar no amigo e balançá-lo para que o outro acordasse, mas a dor na cabeça pareceu ficar mais forte quando ele se movimentou e tudo o que Rodolfo conseguiu fazer foi colocar as duas mãos na cabeça e apertá-la. Seu tórax queimava e ele sentia uma leve pressão contra o peito.
Uma voz soou, mas ele não sabia de onde. Ela disse:
_Você está bem?
Rodolfo não respondeu e continuou segurando a própria cabeça; ainda estava confuso, mas as coisas estavam começando a retornar à ordem em sua mente. Lembrou que estava com mais dois amigos além do Jaime; Cleitom e Danylo. Foi só naquele momento que as coisas começaram a fazer um pouco de sentido.
Olhou para o lado e viu a escuridão da noite como nunca antes em sua vida; sentiu ânsia de vômito, seu estômago estava embrulhado. Rodolfo tirou as mãos da cabeça e para seu espanto percebeu que a palma da mão direita estava com sangue; rapidamente ele passou a mão no rosto e viu que sua face estava com muito sangue.
Finalmente conseguiu se situar; estava dentro do carro de Danylo em algum lugar entre o restaurante e o condomínio onde eles moravam; a noite tinha sido uma das melhores dos últimos tempos, a festa foi incrível. Tinham passado parte do dia em uma festa organizada pelo pessoal da faculdade; uma verdadeira maravilha; a música, havia som para todos os gostos, tocou pagode, sertanejo universitário e principalmente música eletrônica das mais variadas; as mulheres, praticamente todas as alunas das várias turmas de quase todas as graduações estavam presente e a bebida era completamente liberada.
Rodolfo saiu da festa por volta das onze da noite estava totalmente bêbado e aproveitou a carona no carro de seu amigo Danylo que morava no mesmo condomínio que ele assim como os outros dois que também decidiram ir no mesmo carro. Todos eles haviam bebido bastante, mas aquilo não era empecilho para o motorista que já estava acostumado a dirigir mesmo em noites que tinha tomado muito mais álcool do que naquela.
Rodolfo ficou parado na calçada encostado a uma árvore juntamente com Jaime e Cleitom enquanto Danylo manobrava o carro; quando o automóvel parou perto de onde eles estavam Jaime perguntou ao motorista:
_Você está legal para dirigir, Dany?
Danylo estava colocando música para tocar no aparelho de som e respondeu:
_Estou tranqüilo, não se preocupe. Hoje eu não bebi tanto assim._ Era verdade, Danylo havia bebido muito menos do que costumava, mas mesmo assim era uma quantidade que legalmente o proibiria de dirigir, se fosse flagrado em alguma operação de trânsito da Lei Seca.
Todos entraram no carro, não havia motivo para se preocupar; o fato era que Jaime era o mais consciente dentre eles, mas também estava louco para chegar em casa o mais rápido possível. Dany era um ótimo motorista e jamais se envolveu em um acidente sério, nada mais do que pequenos abalroamentos.
Rodolfo sabia que, na verdade, nenhum deles estava em plenas condições para dirigir, mas podia apostar que num trajeto tão curto nada de errado podia acontecer, ficou tranqüilo e não teve dificuldades para relaxar.
Em algum momento do caminho entre o restaurante e o condomínio Rodolfo dormiu, vencido pelo cansaço e pelo efeito das várias dozes de bebida, não se lembrava bem em que ponto isso aconteceu.
Quando acordou nada mais fazia sentido. Ele tentou esticar novamente o braço para tocar o corpo de Jaime que estava ao seu lado, teve medo de que sua cabeça voltasse a doer como na primeira tentativa, mas não aconteceu; a dor e a tontura ainda estavam lá, mas de uma forma mais amena. Ele segurou o amigo pelo pulso e tentou acordá-lo, mas não teve forças, tentou chamar por ele, mas sua voz saiu fraca. Rodolfo ouviu algumas vozes desesperadas dizendo:
“O carro subiu no acostamento!”
Outra dizia:
“Havia pessoas no ponto do ônibus!”
Alguém gritou:
“Chamem o socorro, pelo amor de Deus”.
Havia um certo alvoroço ao redor, mas dentro do veículo Rodolfo permanecia alheio a tudo.
Pelo menos duas vozes femininas choravam compulsivamente em algum lugar nas proximidades do automóvel e foi naquele momento que ele se deu conta de que Danylo tinha batido com o carro, mas jamais podia imaginar a violência com que o fato aconteceu. Rapidamente ele levou a mão à trava do cinto de segurança que ainda o estava prendendo, seu peito ardia por causa da pressão que o tórax sofreu contra o próprio cinto, mas na verdade ele nem mesmo se lembrava de ter colocado o equipamento quando entrou no automóvel.
Logo que se livrou do cinto ele olhou ao redor procurando por seus outros amigos e a visão que teve foi o suficiente para deixá-lo completamente em pânico. Danylo estava caído no banco do motorista de uma forma que era difícil até de ver; sua cabeça pendia sobre o volante quebrado, os ossos do ombro e do cotovelo direito estavam completamente fora de lugar e ele parecia estar com a parte inferior do corpo presa entre o banco, que parecia ter chegado para frente de forma violenta, e o vão dos pedais. Cleitom estava caído para o lado esquerdo com o corpo tombado sobre a alavanca de câmbio, o nariz aparentava estar quebrado e havia sangue em seu rosto e em suas roupas assim como no console da frente que estava completamente destruído. Certamente Cleitom fora jogado brutalmente de encontro ao console frontal.
Rodolfo verificou que nenhum dos dois amigos estava usando o cinto de segurança e ficou ainda mais desesperado; chamou pelos nomes deles forçando sua própria voz para se fazer ouvir, mas não houve nenhuma resposta. Ele se virou para o lado e soltou o cinto de segurança que prendia o corpo de Jaime, este tombou de uma vez para frente, mas foi seguro pelo amigo que o colocou inclinado para a esquerda sobre o assento, as pernas pendiam frouxas. Rodolfo olhou novamente ao redor, viu que parte dos vidros estavam quebrados, principalmente o pára-brisas; a parte superior do veículo estava muito amassada e aquilo poderia ter sido causado por um capotamento, isso explicaria como ele teria ferido a cabeça.
Jaime não respondia e nem mesmo respirava, estava completamente imóvel assim como Cleitom e Danylo; Rodolfo estava com lágrimas nos olhos, não conseguia se controlar; começou a chorar com o corpo do amigo apoiado sobre o seu; não entendia como ele podia ter sobrevivido ao acidente, mas também não queria acreditar que os outros estavam todos mortos.