Paraíso inventado
Na infância era inquieto, saia correndo, gritando e brincando pelas ruas de terra da minha cidadezinha. Junto com meus amigos aprontávamos muitas e boas: jogava bola o dia inteiro, nadava no ribeirinho, brigava muito, roubava goiabas no vizinho e claro, cabulava aula pra ir ao pequeno cinema, localizado bem no centro.
Cheguei a perder um ano letivo inteiro, pra ver os grandes sucessos da época. Entre eles estavam: os faroestes espaguete italiano, as comédias hilariantes de Mazzaropi, os filmes policiais de hollywood, entre muitos outros. O problema é que naquela época, um único filme demorava semanas pra chegar, senão meses. Enquanto esperávamos, fantasiavamos sobre um lançamento. Inventavamos várias situações, personagens, diálogos e desfechos.
No entanto, um dia, adoeci. Foi tão grande minha penúria que tive que ficar quase um mês de cama. A primeira semana foi terrível. Nenhum dos meus amigos veio me visitar. O tédio e a solidão assolavam minha alma.
Em seguida, um ou outro veio saber se eu ainda estava vivo. De fininho, minha mãe os levava até o quarto. Perguntavam como estava. Que estavam com saudades e tudo mais. Não viam a hora de voltarmos as nossas brincadeiras. Contudo não sei se não queriam atrapalhar ou se ficavam cansados. Logo tratavam de ir embora. E todo o meu martírio recomeçava.
Foi então que em uma das visitas em um dia ensolarado – daqueles bem propício aos meus amigos me abandonarem pra ir nadar no ribeirinho – resolvi contar histórias sobre os meus filmes preferidos. Era uma chance de segurá-los por mais tempo.
- Vocês já assistiram o filme do cavalo branco caolho que em plena batalha, separou-se do seu dono e por dias a fio fez todo o caminho de volta pra casa ?
Nenhum deles respondeu. Ficaram curiosos e eu comecei a contar. Usava técnicas de narrativa: mudava o tom da voz para cada personagem e ainda descrevia todo o ambiente.
- E aquele do nevoeiro que trazia as criaturas mais terríveis de outra dimensão para uma cidadezinha parecida com essa ?
Logo um ou outro respondia quase implorando: Não, nos conte, por favor.
E assim narrava as histórias dos mais diversos filmes de aventura, comédia, romance, ação, suspense e terror. Nenhum desses filmes os meus amigos haviam assistido, pois nenhum desses filmes existiam. Todos estavam na minha imaginação. Todos eram o meu paraíso inventado.
E aquele final de verão fora preenchido com divertidas tardes, onde vez o outra alguém vinha até o meu cine, ou seja no meu quarto ouvir mais um relato que ainda não estava no cinema. Em muitas dessas sessões, eu deixava o final da história para outro dia e sobre protestos, foram embora. No entanto, voltavam mortos de curiosidade pra saber que fim aquilo tudo ia dar.
O tempo começou a passar de uma forma mais rápida. Minha fraqueza diminuía e não tive que tomar aquele xarope horrível. Levantei da cama. Foi então que percebi que estava curado e contente, voltei pra rua que era o meu lugar. Minhas tardes nunca mais foram as mesmas.