ROSINHA PANFLETEIRA (FINAL)

Entenda : Se a super intensidade da ‘coisa em sí’ fosse realmente importante, água gelada mataria nossa sede. O homem, em sua mísera grandeza, por mais intelectual, sábio ou prepotente que seja, é instintivamente atingido por um desejo que cedo ou tarde chega para todos, e fica, e cresce. É encontrado do rock ao sertanejo, do mendigo ao padre ( o qual é proibido de tê-lo, mas nem sempre cumpre a jura), do nerd ao carinha que chega suado do ‘racha’ e não quer vê mais macho na sua frente por um bom tempo, todos tem, todos querem. Até hoje, nunca encontrei nada que pudesse definir tão bem um desejo que está dentro de todos, de maneiras diferentes, com gostos diferentes, em imaginações e fantasias diferentes, mas lá está ele, se manifestando no ônibus, na escola, na faculdade, nos sinais, naqueles que procuram Rosinha.

A menina-flor em nenhum instante se arrependeu do que fez, mas agora sentia-se suja, não queria mais estar ali. Limpou a boca com a costa da mão e, com a blusa, tentou limpar algo viscoso e morno que respingara em sua perna esquerda. Com olhos baixos, Rosinha sentia-se culpada por algo que não sabia o que era, mas que estava lhe causando um enorme desconforto. Lúcio, ainda parecendo estar anestesiado, com a cabeça encostada na cadeira e tentando recuperar a respiração, olha para a menina e pergunta para onde irão agora, queria ir a um lugar mais reservado. Ela então pede que ele a deixe no sinal, que de lá mesmo voltará pra casa, por hoje seria apenas aquilo, por hoje.

- Se quiser posso lhe levar em casa flor, e olhe, não é preciso de ter vergonha não, você sabe o que faz !

- Não senhor, posso ficar no sinal mesmo, ainda vou na casa de uma tia que mora lá perto. – mentiu Rosinha.

- Como quiser então, e olhe, pegue aqui seu dinheiro do jeito que lhe prometi, e leve os cem reais, mas me prometa que vai voltar, pra gente terminar nossa brincadeira ! Pois juro que de onde veio esse daqui tem muitos mais !

Acariciava agora o queixo da menina flor. De olhos ainda baixos, mas com meio sorriso no rosto, Rosinha promete voltar.

- Volto sim moço, tenho que voltar... – Disse ela, recebendo o dinheiro.

O homem deu um sorriso como quem havia descoberto o jeito de agradar uma flor. Abotoou a braguilha e seguiu para o sinal. Durante toda a viagem foram em silêncio. Rosinha pensando na mãe que estava hospitalizada e precisando da medicação, Lucio já nos planos imorais o próximo encontro, outras brincadeiras. Porquê estava se sentindo tão culpada ? Olhava pelo vidro da janela e via a grandeza da cidade luz, e como era tão pequena, se comparada aquela imensidão a sua volta. Seria apenas mais uma puta... Quantas outras existiriam além dela ? Questinou-se, mas logo desistiu de imaginar. Apenas sabia que provavelmente havia outras, com mães hospitalizadas, com filhos lhes esperando em casa com o alimento, algumas para sustentar o vicio de drogas e álcool, e outras poucas apenas pelo prazer. Mas independente do motivo, justo ou não, eram classificadas em uma mesma categoria por uma sociedade pobre, imunda e hipócrita: PUTA !

Pararam no sinal. Lúcio olhou para Rosinha e pensou em beija-la, mas ao olhar aquela boca, aqueles lábios, lembrou-se do acontecido, pensou melhor não faze-lo, teve nojo. Se alguém nunca entendeu a expressão ‘cuspiu no prato que comeu’ , esse é um exemplo bem básico.

- Até mais ver, flor !

- Te mais ver, moço.

O homem deu um rápido aceno com a mão, e saiu em disparada no carro, como se estivesse fugindo de algo que não queria ter feito. A menina flor ficou lá, parada no sinal, lembrando-se do acontecido, mas agora sem culpa, sem arrependimento, pois que fosse puta, queria era mais !

A noite estava movimentada, carros e motos faziam a trilha sonora da cidade barulhenta. De repente um outro carro parou, e dessa vez com um homem mais bem aparentado, barba por fazer, olhos sedutores, músculos e peitoral bem definidos, peitoral. Rosinha sairia com aquele homem até gratuitamente, mas a partir daquele dia, nada mais seria de graça, nada, e lá se foi ela em outro passeio, em outro, em outro, em outros...

Duas semanas depois D. Luzia voltou do hospital, continuou sobre os cuidados de Ana, e já não estranhava o trabalho novo da filha durante a noite, sabia que era numa importante empresa e que era solicitada por muitos homens, por isso era tão bem paga. Anos assim se passaram, Rosinha nunca deixou faltar nada para a mãe e cuidou dela até o dia em que D. Luzia descansou para sempre, três anos depois. Agora era mulher e dona de sua vida. Tinha uma casa para morar e sabia como se sustentar. Encontrava-se freqüentemente com Lúcio, que na verdade, era dono de uma grande fabrica de tecidos e calçados, e que pôde dar todo conforto a sua menina flor.

Rosinha não era nenhuma mulher fruta, mas já estava bastante madura. Tinha um carro próprio (presente de Lúcio), uma casa melhor em um bairro mais bem localizado, e agora já tinha uma clientela fiel, vida feita. Certo dia, sentada no seu divã de couro, ficou imaginando os possíveis “se” da vida. E se nunca tivesse aceito o primeiro convite de Lúcio ? E se tivesse continuado entregando os panfletos de seu Jonas ? E se a vida não fosse de escolhas, mas apenas uma linha já malhada pelo destino ? E se Deus estivesse vendo tudo lá de cima e depois fosse castiga-la ? Deus !

Por um momento teve medo e receio por tudo que já havia feito, já não dava pra voltar atrás, ou daria ? Poderia se confessar, e assim, o padre poderia lhe perdoar pelos seus pecados, que eram muitos. Mas pensou bem e questionou-se: “ De que adianta se confessar, se for pra escolher minhas confissões ? Porque tenho que ir ao padre, se dizem que posso falar diretamente com Deus?” Pertubou-se por um instante mas preferiu seguir a tradição. Pegou seu carro e dirigiu-se á igreja que costumava freqüentar com a mãe quando pequena. Era fim de tarde, e foi pensando no que iria falar...mas...não, de que adiantaria se confessar se iria ter de continuar naquela vida ? Achou melhor voltar para casa, se confessaria outro dia. Fez o retorno, parou no sinal, e quando deu por si, era o já conhecido sinal, o do começo. A tarde já se mostrava nos últimos instantes, a ali naquele sinal, ficou imaginando o quão a vida poderia ter sido diferente, se oportunidades lhe tivessem sido oferecidas. Lembrou de quem era hoje, teve sorte, mas sem esquecer de tudo que já havia passado, coisas ruins que gostaria de esquecer, clientes.

No engarrafamento, veio zigzagueando entre os carros uma pequena menina de aproximadamente onze anos, que vendia de carro em carro um tipo de doce, bala. Rosinha ficou observando a garota, até que a pequena parou em um carro que estava na sua frente e o condutor baixou vagarosamente a janela, e Rosinha pôde ouvir claramente quando o homem que estava ao volante indagou:

- Como você se chama minha boneca ?

- Meu nome é Margarida, mas pode me chamar de Meg, se quiser...

Uma lágrima morna e salgada corria agora pelo rosto de Rosinha, pois sabia que ali começava a sina de outra menina-flor ...

Alex Costa
Enviado por Alex Costa em 13/07/2012
Código do texto: T3776461