Orgulho Gay
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Gênero: conto
Autor: Rilvan Batista de Santana
Orgulho Gay
R. Santana
1
Nos finais dos anos 80, o caboclo Júlio Barata, conhecido pelos seus amigos e inimigos por “Pezão”, bem aquinhoado financeiramente, comprou uma casa em um bairro de classe média alta em Itabuna, no interior da Bahia, principal cidade do Sul do estado.
Se o leitor exigente quiser detalhes desta história, quiser saber, por exemplo, se os protagonistas ainda estão vivos, se Julio Barata é Júlio Barata e se Pezão é Pezão, lhe responderei que todo ficcionista é um mentiroso por necessidade, ou melhor, ele trabalha com a verdade às avessas, meias verdades, pois não se pode expor a história de vida com as personagens vivas, por óbvios motivos e às personagens mortas, por respeito à memória daqueles que se foram.
Porém, para arrefecer a curiosidade do leitor, quero jurar por todos os santos homens e homens santos que Pezão faz pouco tempo que morreu de um infarto fulminante enquanto assistia os flashes de uma parada gay pela tevê, sua mulher morreu faz mais tempo e filho, filhas e netos estão vivinhos aí, e, tomara que nenhum deles, leia estas páginas, pois quem conta um conto aumenta um ponto.
Se o leitor exigente quiser detalhes desta história, quiser saber, por exemplo, se os protagonistas ainda estão vivos, se Julio Barata é Júlio Barata e se Pezão é Pezão, lhe responderei que todo ficcionista é um mentiroso por necessidade, ou melhor, ele trabalha com a verdade às avessas, meias verdades, pois não se pode expor a história de vida com as personagens vivas, por óbvios motivos e às personagens mortas, por respeito à memória daqueles que se foram.
Porém, para arrefecer a curiosidade do leitor, quero jurar por todos os santos homens e homens santos que Pezão faz pouco tempo que morreu de um infarto fulminante enquanto assistia os flashes de uma parada gay pela tevê, sua mulher morreu faz mais tempo e filho, filhas e netos estão vivinhos aí, e, tomara que nenhum deles, leia estas páginas, pois quem conta um conto aumenta um ponto.
Pezão não era má pessoa. Não era um intelectual, mas não era um ignorante do pé de serra, escondido no recôndito das matas. Embora tivesse nascido e crescido na roça, assim que comprou suas primeiras terras, instalou na casa da sede, do fogão a gás a uma geladeira e um rádio de pilha de ondas médias e curtas para ouvir a Rádio Nacional, coqueluche de uma época distante.
Com a chegada da energia elétrica, mais situado, com a burra cheia de dinheiro, ele encheu a casa de aparelho de tevê, parabólica, aparelho de som e, mais algumas novidades da vida contemporânea.
Porém, Pezão não abria mão de certos princípios herdados dos pais e dos avós. Trazia a mulher em corda curta e os filhos em corda mais curta ainda.
Descarregava os seus medos, as suas frustrações e as suas opiniões em cima de Zé Pequeno, seu preposto de confiança, que junto com o chefe, enfrentava qualquer dificuldade: um Sancho Pança quixotiano que escudava Pezão há mais de trinta anos:
Com a chegada da energia elétrica, mais situado, com a burra cheia de dinheiro, ele encheu a casa de aparelho de tevê, parabólica, aparelho de som e, mais algumas novidades da vida contemporânea.
Porém, Pezão não abria mão de certos princípios herdados dos pais e dos avós. Trazia a mulher em corda curta e os filhos em corda mais curta ainda.
Descarregava os seus medos, as suas frustrações e as suas opiniões em cima de Zé Pequeno, seu preposto de confiança, que junto com o chefe, enfrentava qualquer dificuldade: um Sancho Pança quixotiano que escudava Pezão há mais de trinta anos:
-É uma safadeza de dar gosto, os homens já estão nascendo efeminados! – Zé Pequeno confirmava:
-Sinhô sim! – era o seu único vocabulário, se o patrão lhe dissesse: “Zé Pequeno, mate o João”, ele respondia: ” Sinhô sim!”, fiel mais do que um cachorro e traiçoeiro como uma serpente.
-Zé Pequeno, eles dizem que já nasceram efeminados, eu acho que é falta de couro no lombo!
-Sinhô sim!
-Sinhô sim! – era o seu único vocabulário, se o patrão lhe dissesse: “Zé Pequeno, mate o João”, ele respondia: ” Sinhô sim!”, fiel mais do que um cachorro e traiçoeiro como uma serpente.
-Zé Pequeno, eles dizem que já nasceram efeminados, eu acho que é falta de couro no lombo!
-Sinhô sim!
-Quem já se viu? Usar seios postiços, plástica no bumbum, sutiã, calcinha, saia, corpete, salto à Luis XV e deitar com homem... Quem Já se viu?...
-Sinhô sim!
-Se Juninho virar bicha, eu mato-o!
-Sinhô sim!
-Sinhô sim... – Zé foi reticente, amava o filho do patrão.
-Saia é coisa de mulher e calça é coisa de homem! Já falei com Maria: se ela usar calça, ela sai daqui com uma quente e outra fervendo...
--Sinhô sim!...
-Saia é coisa de mulher e calça é coisa de homem! Já falei com Maria: se ela usar calça, ela sai daqui com uma quente e outra fervendo...
--Sinhô sim!...
3
Juninho e as irmãs deixaram a fazendo e foram morar e estudar em Itabuna. Juninho crescia em beleza e frescura, seu pai andava meio desconfiado:
-Será que vou pagar minha língua?– Pezão dialogava com o seu escudeiro:
-Sinhô sim!
-Você acha Zé pequeno?
-Sinhô... – já entendi, você quis dizer:
-Sinhô não, não é seu maluco?
-Sinhô sim!...
-Será que vou pagar minha língua?– Pezão dialogava com o seu escudeiro:
-Sinhô sim!
-Você acha Zé pequeno?
-Sinhô... – já entendi, você quis dizer:
-Sinhô não, não é seu maluco?
-Sinhô sim!...
4
Como naquela época, a UESC não tinha curso de medicina, Juninho, aluno brilhante, e doido para ficar livre das rédeas de Pezão, convence todos em particular sua mãe, que sabia como conter a brabeza do marido, usando da fraqueza força, estudar em Salvador e com louvor é aprovada de primeira no vestibular da Ufba em medicina.
Esporadicamente vinha visitar os pais. Sua frescura tinha sido burilada, afora a fala um pouco feminina, os trejeitos tinham sido aperfeiçoados e se ele não se expusesse por muito tempo, ninguém diria que aquele homem de mais um metro e oitenta era uma bicha conhecida e disputada, no seu tempo, pelos homens que gostam dessa fruta nas noitadas e farras estudantis da cidade de Salvador. Não bebia nem fumava.
Esporadicamente vinha visitar os pais. Sua frescura tinha sido burilada, afora a fala um pouco feminina, os trejeitos tinham sido aperfeiçoados e se ele não se expusesse por muito tempo, ninguém diria que aquele homem de mais um metro e oitenta era uma bicha conhecida e disputada, no seu tempo, pelos homens que gostam dessa fruta nas noitadas e farras estudantis da cidade de Salvador. Não bebia nem fumava.
Sua mãe morria de amores pelo filho, os dois se entendiam pelo olhar. O amor do seu pai não era menor. O velho Julio escondia no peito o medo de descobrir que o filho não fosse macho e quando esses pensamentos lhe vinham à cabeça eram inconscientemente, rejeitados e repudiados.
Certa feita, Pezão, o seu fiel escudeiro e Juninho foram passear na fazenda. Juninho adolescente, respirando euforia por ter sido aprovado num vestibular de medicina, desleixou-se em esconder os seus trejeitos e acirrava mais a cisma do seu velho, que numa parada obrigatória do carro para o filho mijar, ele adverte ao Zé Pequeno:
-Se esse filho da puta, mijar de cócoras como uma mulher, eu arranco-lhe a cabeça com essa escopeta!... – manuseou a arma. Zé Pequeno sem entender muito bem, implorou:
-Sinhô... Sinhô... Sinhô não!... – Zé Pequeno com a destreza e a precisão de um felino tomou-lhe a arma e implorou-lhe com sua linguagem:
-Sinhô não, Sinhô não!...
-Se esse filho da puta, mijar de cócoras como uma mulher, eu arranco-lhe a cabeça com essa escopeta!... – manuseou a arma. Zé Pequeno sem entender muito bem, implorou:
-Sinhô... Sinhô... Sinhô não!... – Zé Pequeno com a destreza e a precisão de um felino tomou-lhe a arma e implorou-lhe com sua linguagem:
Distante alguns metros do carro, Juninho não percebeu a luta entre a ignorância e o bom senso e como um macho de verdade, lavou o chão de urina ao invés de sujá-lo com sangue.
Alguns anos depois, Pezão via tevê quando em flashes de reportagem sobre o Orgulho Gay baiano, aparece Juninho travestido e empunhando a bandeira do movimento, defendendo mais liberdade, mais respeito e mais inclusão social. Enquanto isto, o seu pai aturdido confirmava aquilo que há muito tempo desconfiava e com a mão no peito balbuciava:
-Fi... lho... do peca...do, vergo...nha... da família, vea...do des...cara...do, ver...go...nha da huma...ni...dade!... – desabou e Zé pequeno acudiu—o:
--Sinhô... Sinhô... Sinhô não! – o moribundo com voz rouca, estertora, reprovou o seu fiel companheiro que emendou:
-Morte... Sinhô não!!!...
Zé Pequeno chorou, chorou...--Sinhô... Sinhô... Sinhô não! – o moribundo com voz rouca, estertora, reprovou o seu fiel companheiro que emendou:
-Morte... Sinhô não!!!...
Gênero: conto
Autor: Rilvan Batista de Santana