No velório
O dia amanheceu de luto. Dona Mimi se foi desta para melhor.
Dizem. Rapidamente a casa formigou. Dona Mimi era muito
querida e morte atrai muita gente. Uns vêm pelos parentes. São
discretos, respeitosos. Sempre solícitos e serviçais. Se
condicionam tanto a situação que não raro os cumprimentamos
com o clássico:
__ Meus pêsames, meus sentimentos...
Outros vêm para cumprir obrigação. Forçam uma cara triste,
cumprimentam Deus e todo mundo e caçam um canto, perto
da porta, e quando menos se espera, estão lá fora,
conversando alto e soltando sonoras gargalhadas. Alguns são
presença obrigatória. Passa pela sala como um corisco e vão
para o quintal, contar piadas. Afinal, velório sem um contador de
piadas é como missa sem padre. Ah, e tem as vizinhas, as
amigas, que se juntam num bate-papo agradável:
__ Fulano num derramô uma lágrima...
__ Vê só quem chegô...
__ C'um ela viva já pulava a cerca, magina agora...
__ Coitada, era tão boa... foi tão cedo...
Outros vêm para cumprir obrigação. Forçam uma cara triste,
cumprimentam Deus e todo mundo e caçam um canto, perto da
porta, e, quando menos se espera, estão lá fora, conversando
alto e soltando sonoras gargalhadas. Alguns são presença
obrigatória. Passam pela sala como um corisco e vão para o
quintal, contar piadas. Afinal, velório sem um contador de piadas
é como missa sem padre. E tem as vizinhas que se juntam num
bate-papo agradável:
__ Fulano num derramô uma lágrima...
__ Óia o assanhamento daquela pro viúvo...
__ Vê só quem chegô...
__ C'um ela viva já dava seus pulos fora da cerca, imagina
agora...
__ Coitada, era tão boa... foi tão cedo...
Podia ser a maior fofoqueira da rua, a maior macumbeira,
morreu, ah...
__ Era uma santa...
Bentinho não faltava a velório nenhum. Mal o infeliz batia
as botas, lá estava ele, terno preto, gravata, terço na mão,
encomendando a dita alma. E rezava o terço de trás-pra-frente
de frente-pra´trás, fazia até oferendas, tudo como mandava
o figurino dele, e mais, sem ler nadica de nada, tudo na
decoreba. O Bentinho deixava até o Papa no chinelo.
__ Uma Ave Maria pro Presidente da República...
Peraí, Bentin, que tem a ver? Bom, deixa pra lá, ele sabe das
coisas. Tá até ajoelhado.
__ Ave Maria cheia de graça...
Pois bem, velavam a santa. O coro acompanhando o
Bentinho. A casa apinhada de gente. De repente, mas de
repente mesmo, de supetão, a defunta solta o maior peido
da paróquia.
__ PPPPPPPPUUUUUUMMMMMMMMMMMMMM.
Rapaz, nem te conto. Alarme. Correria. Confusão. Desmaios.
Tropeções. Gritos. Rezas. Gente se benzendo a torto e a
direito, cruz-credo a três-por-quatro. Teve nego que pulou a
morta, ganhou a janela e tá correndo até hoje. O Rui Agiota
saiu gritando:
__ Eu perdoo os juros, eu juro...
Mais tarde, bem mais tarde, o Dr. Pereira, explicou o fenômeno:
era um ventinho que tava preso e resolvera dar sua escapulida
justamente ali, naquela hora. Todo mundo foi voltando,
ressabiado, envergonhado, encabulado, desconfiado. Foi aí que
repararam no Bentinho, ajoelhado, terço na mão, contrito.
__ Muito bem, Bentin, todo mundo se borrando de medo e só
ocê que não... êta homem abençoado, meu Deus...
___ Pois é, a gente correndo de um ventinho atoa...
___ Bentin... Õ Bentin..
__ Ô gente, parece que o Bentin tá...
E tava mesmo. Mortinho da Silva.
Observação: Do livro O Doido e Outras Maluquices
Edição 1967