VOZ ROUCA
De volta a pequena casa de três cômodos na comunidade, Vera se deparou com o vazio, acompanhado do medo e da tristeza. Nos poucos móveis, pequenas histórias de um tempo que se foi. Sentou-se num banco de madeira, respondeu com o olhar o cumprimento de alguns vizinhos e se permitiu naquele silencio. Na parede, uma foto de Vinicius, ainda criança vestido com o uniforme da escola, num sorriso tranqüilo de quem só queria viver a vida. Vera sentiu o momento e sorriu. Não que a dor não mais machucasse o peito; não que o abandono não insistisse em lhe ferir a alma, mas o que fazer? Alimentar o ódio e o desejo de vingança ou simplesmente seguir a vida, apesar da saudade? Sorriu mais uma vez. Desta vez pelo descaso que viveu na pele, por ver o filho se tornar mais um entre tantos na estatística oficial. Não tinha vez na grande mídia. Vinicius era só um “neguinho” morto numa troca de tiros na entrada de uma comunidade. Não importa se caminhava para o trabalho. “Não importa”. A cena ainda estava na sua mente: o filho caído de bruços ao lado de outros bandidos... “Outros?” perguntou ao Agente do Estado. Não houve respostas. Só na manchete do jornal: BANDIDOS SÃO MORTOS EM FAVELA CARIOCA. “Não era bandido”, foi a voz rouca que quase ninguém ouviu. Pra quê? Deu de ombros. “Deus sabe”.
Ainda não sabia como seria a vida sem aquele que gerou, embalou, criou e enterrou naquela manhã, mas buscaria mais uma vez algo mais forte que a faria continuar, assim como várias outras mães de “bandidos” desse país.