O GÊNIO (Parte II)

Amigos, Elano também não os tinha aos montes, por ser uma criatura voltada para si mesma, tendia a solidão, não que se sentisse só, até certo ponto se bastava para viver, certo mesmo era sua necessidade de humano, carente em socializar-se para não atrofiar as idéias, fazer do meramente teórico em prático por assim dizer. Gostava de uma boa companhia e uma conversa agradável, no entanto estes momentos eram raros. Ninguém se prestava a discorrer sobre seus interesses, haviam tantas coisas mais concretas e certas do que as tais divagações sobre o tudo e uma universalidade que não interessa a mais ninguém... Sentia-se triste e sozinho, gostava disso pelo simples fato de acreditar ser um mundo um lugar duro e triste, suas imediações eram sempre práticas, físicas e suscetíveis a variáveis que fugiam ao seu controle. Querer nunca foi poder quando trata-se do mundo. A mente é infalível, porém imaginosa, já o mundo é falível, porém real. Como viver então transpondo esses dois mundos? Elano escrevia sobre isso em seu diário e não encontrava uma solução que o agradasse, a lógica lhe escapava. Haviam lacunas a serem preenchidas, foi ao formular esse pensamento que resolvera preencher os espaços vazios criando um sistema, relacionando no seu caderno uma informação a ele valiosíssima, composta basicamente pela organização linguística e matemática ao mesmo tempo. Sentiu-se então um gênio, acreditou ser a tal descoberta um achado único para a humanidade, ninguém nunca haveria de ter pensado em algo assim. Eufórico com sua genialidade, levantou-se erguendo o diário, num sorriso amplo dizia em puro contentamento

“-GENIAL...” , enquanto olhava as inscrições no caderno: inf x imag = fal x real, então img x fal = inf x real. Era tão óbvio e genial ao mesmo tempo: Se infalível está para o que é imaginário assim como falível está para o real, logo o imaginário está para o falível assim como o infalível para o real. Isso significa dizer o quão importante é reduzir tudo ao mundo falível, mesmo nas idéias, conjeturar as eventuais falhas de todo plano, tornando o as possibilidades da averiguação prática cada vez mais infalível, já que reduzem-se os riscos já no planejamento. Elano sentira-se mesmo um arquiteto, apesar de não compreender ainda o peso de tal ofício e a carga dessa personificação dele mesmo em um indivíduo estranho a si, hora arquitetos são meticulosos, costumam obliterar planos ruins antes mesmo de tê-los. Um bom tempo depois, descobre o quão ruim havia sido sua idéia, ao compará-la com os sistemas adotados pela ciência, percebeu já existir um plano no qual isso pertence e é usado. A linguagem tem muitos segredos e sua relação com os números e a lógica, só agora percebe; nunca foi um mistério. Teve ainda o ímpeto de rasurar essa anotação e todas as considerações no sentido de elogiar seu embuste. Não se sentiu tão genial nesse ponto, e teve vergonha de encontrar a lembrança daquilo em seu diário quando o abrisse novamente, então sem titubear, arrancara a página com uma rapidez e inépcia desconcertante, rasgara a página obliquamente deixando a conclusão do ato para o segundo movimento de desagregação do restante da página do todo que era o caderno, movimento difícil por ser a área de contato agora bem menor, precisou usar de mais força, ficando ainda mais irritado.

Aquele dia estava liquidado, todo o seu trabalho havia dado em nada, estava exausto de sua mediocridade, sentia-se triste pela derrocada, queria apenas dormir e esquecer todo o tormento. Tristeza lhe dava sono, por outro lado, alegrias lhe tiravam o sono e se esta não tinha em quantidade, certamente dormia bem. E as sombras invadiam de forma tristonha mas sutil os olhos de Elano, tirando do plano tudo, tanto os sentimentos bons como os ruins, nada mais tinha, era uma tábua rasa, diria alguém desavisado afinal ainda tinha os sonhos e suas experiências eram fundamentais nas montagens a sobressaírem umas as outras, parecia até ser sua vontade impositiva no sentido de não querer nada por muito tempo, toda realidade mesmo no sonho, deveria ser passageira, a vida ganhava um tom nada natural, correspondia de toda sorte as suas aspirações e isso poderia ser tudo menos real. Se todo homem e toda mulher pudessem, o que certamente fariam seria ludibriar a natureza, enganando como a um Deus desavisado com a má fé da humanidade, dariam um sacrifício não tão verdadeiro, pois esconderiam das suas a melhor rese e lhe entregariam no altar aquela não tão boa, nem muito querida por nenhum de seus filhos menores. Damos a mãe natureza, a mesma a nos ceifar a vida, um pouco de nós mesmos á cada dia sacrificando nossas próprias reservas, mas nunca a mais importante, guardamos o mais precioso para as certezas. Elano entregava um sonho em forma de tributo a um novo e este findava, legando vida a outras existências ou possibilidades vindouras, se é que é possível chamar em algum espaço ou tempo seja qual for, existência de potencialidade, enquanto esta ou mesmo realizada. A vida se fazia como uma passagem e somente importasse essa inconstância construtora de novas realidades em planos distintos e multiformes, assim iam se fazendo as formas, primeiro, uma criaturinha pequena, uma espécie de mago magistral, a conduzir um pouco de claridade em seus passos lentos e firmes. E dessa forma ia abrindo uma visão a posterioridade, viam-se as coisas ali, parecia caminhar em espaço livre, talvez um caminho, o incoercível era existirem móveis entre uma árvore e outra ou um vela apagada sobre uma pedra solta na estrada, então subitamente o expectador da inusitada imagem desce um precipício enorme e úmido sem, no entanto molhar-se, uma cachoeira. A queda livre e desajeitada faz virar de ponta cabeça e tudo se perde, não se sabe como mas agora está numa calçada a andar de mãos dadas com seu pai; é uma menininha.

Ao que segue não lembra mais nada a consciência do sonho, se é que pode ser chamada assim, desaparece na escuridão. Não teria orgulho em narrar tais fatos na manhã seguinte quando acordasse. De fato, o último relato é o de uma encarnação infantil, ignora-se o significado de tudo aquilo, somente se sabe do confuso e desconhecido. Assim como na vida levada por este.

IV. A MANHÃ

CONTO IV

Acorda aturdido com o insistente sol a encetar atravessando-lhe os sensíveis olhos amendoados. Tenta ainda cobrir seu rosto com o lençol branco, em vão, o calor imposto pelos fulgores do sol matutino em sua testa já suada, fazia-o ansiar por um banho, já não teria como dormir, lamentava isso em sua resignação a seguir junto com ela para o banho. Era sempre assim por aquela época; estação quente acordava cedo, com o sol a invadir sua vida; tanto queria dormir. Pena, para isso necessário seria mudar-se para o leste. Tinha consciência, mudaria também de escola, amigos e não tinha muitos , faria novos, já via em seus olhos tais planos realizados.

(CONTINUA...)

jonnez
Enviado por jonnez em 05/07/2012
Código do texto: T3762393
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