A canarinha
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De repente, a bolinha amarela saiu da tevê, assustando todo mundo. Dona Zica gritou. Paulo correu, escondendo-se atrás do puído[1] sofá marrom que fora herança do avô já falecido. Seu Jorge, que estava assobiando na cozinha, mexendo a panela onde pululavam[2] alvissareiras[3] pipocas, prenunciando gastronômico deleite, veio correndo e surgiu na sala:
– O que houve aqui? – perguntou o homem das pipocas.
– A bola! A bola! A bola! – respondeu o pequeno Gui, de dois anos, segurando a bolinha amarela com as duas mãos. O pequeno parecia o único feliz naquela sala. Ele mordiscava o feltro amarelado.
No país do futebol, os canarinhos estavam perplexos e temerosos com as novidades.
Minutos antes, estavam todos grilados na telinha, pendulando as cabeças ao doce bailar das raquetadas, sacadas e rebotes decorrentes do ping pong e das movimentações.
Os jogadores variavam nos repertórios. Depois de magnífico ace[4] de Rafael Nadal, Roger Federer se reabilita com maravilhoso backhand[5], depois de lindo approach [6]. Numa segunda tentativa, entretanto, houve o troco – Nadal surpreendeu o arquirrival com esplendoroso lob[7]. 0, 15, 30, 40... Sem chances para Federer, Nadal consegue o winner[8].
Continuaram vibrantes até que a estática bola, agora presa às mãozinhas da criança e guardando, externamente, as manchas do tapete esverdeado de Roland Garros, logo após o ponto final, mudou tudo.
Seu Jorge toma a bola do filho, olha para os familiares e amigos, e sentencia:
– Esta não volta mais! Vai ficar nos braços da torcida.
E da folha de papel, na transição entre a virgindade e a posse do atrito, emergem letras garrafais: a movimentação da caneta, que se move autonomamente, assusta.
Game over.
Crato-CE, 11 de junho de 2012.
14h33min
[1] Desgastado.
[2] Rompiam, nasciam. [Fig.] Multiplicavam-se rapidamente e com abundância.
[3] “Contentes”.
[4] Saque que não dá chance ao adversário de pegar a bola na tentativa de resposta.
[5] Pancada de esquerda (ou, para canhotos, de direita), batida com as costas da mão viradas para frente.
[6] Aproximação.
[7] Golpe dado sobre o adversário quando ele está próximo da rede.
[8] Ponto vencedor.