A Velha e o Bêbado ao meio dia.
A exclusão social de uma velha aposentada, a fizera prestar atenção naquele bêbado, por pura sobra de tempo. Aquele pobre homem, recordava-se das desilusões da sua vida, e despejava seus dizeres melancólicos com todo álcool que consumira, em plena luz do dia. Já não lembrava mais o que era a lucidez. E a velha não sabia mais o que era ser ouvida, seus companheiros de asilo já haviam cansado de suas antigas histórias.
Encontraram-se no melhor, ou pior momento. Eram quase resmungos gritados, mal podia ouvir a própria voz. A velha aproximou-se a observar claramente a dor daquele ser, que não fora muito feliz nesta vida, e havia feito todas as escolhas erradas!
–Criatura infeliz! (disse em pensamento, que escapou em voz alta). O bêbado que nunca fora sóbrio, quis ouvir novamente o que a velhinha dizia sobre sua pessoa...
–O que disse?!
Saíra cada letra enraivada de sua boca, numa lentidão quase engraçada, era digno de sentir uma pena sorridente... A velhinha repetiu com um tom risonho:
– Criatura Infeliz!
Foi o início de uma longa discussão que fazia sentido apenas á eles, talvez fossem capazes de se entender melhor do que qualquer amigo de longa data. A velhinha sentiu por um momento sua crueldade aflorar, mas ao mesmo tempo lhe veio um enorme apreço pelo homem que tombava, porque se via em melhor situação.
Retrucou em fúria e certa dificuldade em pronunciar as palavras :
– Você nem me conhece! Me deixe em pazzz!
A velhinha ficou séria por alguns instantes, mas logo que esse tempo passou sentira uma doce e leve vontade de gargalhar, como não fazia á anos... Pois assim o fez!
O bêbado não entendeu. Toda a fúria que estava em si e o prontificara para iniciar uma briga, fora trocada por um gigantesco ponto de interrogação! Não entendia quase nada da vida, e a velhinha lhe intrigou mais que qualquer questão. Era tão grave essa incompreensão que chegou a dominar seu ser, mal lhe passou pela cabeça que o motivo era ele mesmo. Não teve outra escolha: escandalizou um riso preso em sua alma, escancarou suas mandíbulas, e riu com uma força que não sabia de onde vinha. Era tão doce não saber, e rir por nada que fosse aparentemente explicável.
Os dois sincronizaram-se , os sons saíam com a mesma leveza. A velhinha lembrara-se de sua candura mocidade e o bêbado de sua alegre infância. Vieram em mente os lugares, os amigos, os sonhos e tudo que havia tomado outro rumo nos caminhos de suas vidas, e não mais faziam parte do agora.
Aquele simples momento transformou tristeza em lembranças, da nostalgia logo lhes veio a saudade, da saudade ao invés do pranto, o riso! Cultivaram, e estenderam até onde podiam todos aqueles minutos, que pareciam muitos e multiplicavam-se até se converterem á horas, como se não quisessem o fim. E não houve, por que assim desejaram. Cada um passou a dividir suas dores por dois, e multiplicar uma felicidade simples de existir por duas vezes. Criaram um vínculo fraternal, e toda semana, enquanto o ócio e a bebedeira lhe ocupavam, se viam, naquele bar e colocavam-se á apenas lembrar e assim reviver o que um dia lhes fizeram sorrir.