Sangue....

Já se passavam das três da madrugada. A maior parte das luzes da cidade se encontrava apagada. Nada nos aguardava, ou, tampouco circundava o nosso cotidiano, a não ser os ruídos múltiplos oriundos dos cantos escuros, becos, bueiros e ratos.

Eramos um grupo inicialmente. Passadas duas horas e cinco tiros depois, cada um debandou prum lado. Ezequias fugiu pela direita a favor do vento e longe da pouca luz que restava. Com alguma sorte, consegue chegar vivo em sua casa. Se é que no desespero seria esse o local a ser procurado... Ah, sei lá.... Enquanto a mente devaneia, tento entender como fui o último a ser deixado pra trás. A cair e ver o sangue derramar e evadir do meu corpo. Para isso, contudo devo resgatar os primórdios da desventura nossa.

Tudo começou com um ensaio. O bom e velho projeto de uma "banda" que todo mundo um dia quis fazer em sua juventude. Estávamos a realizar o sonho. Um baixista, um guitarrista, um vocal e até um tocador de gaita. Nos faltava um baterista, mas a reclamação não nos convém. Ensaiamos das 22h da noite até a meia noite. Um bom ensaio com o surgimento de novas músicas e o aprimoramento de antigas. Todos satisfeitos, saímos rumo a um bar tomar umas e outras para clarear as ideias, afinal como já diria o poeta "uma cerveja antes do almoço, é muito bom pra ficar pensando melhor". Não era almoço, mas caía bem. O ruim era saber o que viria depois.

Passadas 2 horas, decidimos seguir nossos rumos. A caminhada na escuridão e no silêncio da madrugada nos acalma, ao mesmo tempo que assusta. Assusta mais ainda pelo modo como aconteceu.

Não demos nem mil passos e sem perceber estávamos cercados. Três sujeitos armados com canos, canivetes e um pedaço de bambu. Nada disseram, apenas apontaram. Inicialmente pro relógio e pras carteiras que estavam levemente visíveis. Como todos aconselham, buscamos seguir a regra e não reagir. Entretanto, num átimo de desespero e numa brecha percebida reagimos. Conseguimos tirar a arma de um, possibilitando a fuga do nosso grupo. Não era e nem parecia o script de uma vida. Especialmente o que aconteceu depois.

Mesmo com um desarmado outros dois vieram ajudá-lo. Lutei bravamente pela minha própria vida, embora estivesse em desigualdade de números e condições. Dois contra três certamente não era um duelo justo, pois Matias fora o único a me auxiliar no duelo. Ezequias como já citado fugira pra longe da luz, ao passo de Léo correr em disparada rumo a primeira casa ou abrigo que encontrara.

Cinco facadas depois, conseguimos afugentar os agressores. Contudo, nossa perda não era pequena: começamos a perder muito sangue, oriundos de uma hemorragia recém-criada. A visão começava a se tornar turva e os sentidos nos abandonavam, um a um. Em um beco sem saída na rua deserta, um sinal de alguém que se aproxima. Coincidência ou não, próximo aos primeiros dias da manhã que insurge. Seria esse o mensageiro de Thânatos?

De fato não era. Tratava-se apenas de algum vira-lata qualquer a cruzar as ruas, revirando latas de lixo e caixas abandonadas em busca de comida. No último suspiro, chego a constatante angústia, enquanto a palidez aumenta e a sensação do desmaio aparece para me dominar: estou só rumo a minha própria morte. E nada mais recordo.

Andarilho das Sombras

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 29/06/2012
Código do texto: T3751755