Renúncia

Nasceu em berço de ouro, em 1938. Dona de gado e terras viu o pai perder tudo com amantes e bebedeiras.

– Maldito. Nunca vou te perdoar por ter deixado a gente nesta miséria. Resmungava.

Em 1960, deixou a mãe e os irmãos e foi para o litoral morar com uma madrinha. Perdeu-se na vida como quem perde o bonde e, desde então, nunca mais teve paradeiro. Em 1969, casou com um cabo do exército e nunca mais teve sossego. Gênio difícil e jeito independente fizeram do casamento um mar de mágoas. Seis meses depois deixou o homem. Saiu de casa e não soube mais do militar.

– Você nunca mais ouvirá falar de mim.

Saiu! E sem olhar para trás foi ao desconhecido.

Em 1970 deu à luz um filho e conheceu um pintor de paredes. Assumiu um romance com este, que prometera registrar seu filho. Durante três anos, trabalhou na capital como merendeira, auxiliar de fábrica de biscoitos, dona de banca na feira e doméstica. Entre uma batalha e outra tinha tempo para o namorado. Ele ciumento e ela independente. Pariu mais um. Não daria certo e com um filho nos braços e outro sem registro de nascimento foi até ao cartório para dar nomes e identidades às crias. Levam consigo apenas o sobrenome dela. Mais uma série de anos na angústia de uma vida sem regras e perseguida pelos fantasmas que carrega, rumou para Brasília em 1982.

– Mulher lá é bom. Vamos comigo. Chamou uma amiga invisível

– É muito longe. Não sei se vou suportar. Titubeou a aventureira.

Deixou os filhos com a mãe na cidade da infância, em meio à miséria do lugar e à própria sorte, e rumou para Brasília em busca do Eldorado. Na capital do Pais, deixou a vida lhe conduzir e a felicidade lhe foi tragada pelos excessos do dia a dia e os cuidados com os filhos. Dedicou-se a isso e passou a cobrar do mais velho as responsabilidades que seriam do pai que o menino nunca conheceu. De sol a sol trabalhou exaustivamente e a promessa de dias melhores não veio.

– Hô vida desgraçada! Rangia os dentes todos os dias.

Assim passou sua trajetória. Entre os percalços e as armadilhas que armou para si mesma, deixou que os desígnios de Deus lhe fossem desprezados. Entre uma blasfêmia e outra sempre viveu como se soubesse a resposta para tudo. Hoje, se assenta numa casa construída pelo mais velho, com o apoio do mais novo, e tem como companheira uma cachorra vira-latas. Sozinha e doente, agarra-se a fé que nunca conheceu.

– Um dia vou embora deste lugar. Dizia entre um sofrimento e outro.

Amarga, solitária e doente. Eis o fim de uma vida de incertezas e escolhas. A renúncia ao dom da vida e a opção pela arrogância que cega. Os males produzidos na alma que hoje são repassados ao filho. O outro, o mais novo, recebeu dela um misto de carinho, culpa, ausência e excessos. Decidiu, por ele mesmo, não querer mais aquilo e apenas a visita em dias raros. Uma ajuda financeira e o sono dos justos.

Chora em silêncio, remói as culpas e não acata as verdades. Uma dor profunda que até mesmo quem está perto é capaz de sentir. Espera a morte do mesmo jeito que viveu a vida.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 28/06/2012
Reeditado em 18/06/2018
Código do texto: T3749491
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