Letargia

Do banco observava o movimento das pessoas, dos carros, o farfalhar das folhas, o prenúncio da chuva, o sol que vinha e desaparecia... O cabelo tapou-lhe parcialmente a visão, afastou-o capturando tudo o que conseguia, a freneticidade na qual todos andavam e não olhavam, mal respiravam, tão atrasados! Ela não tinha pressa. Apenas esperava inconscientemente um milagre que a despertasse da letargia eterna em que se mantinha. Respirou profundamente. Acotovelaram-na.

- Desculpe-me, uma mulher lhe disse.

Nada respondeu. Outra respiração, um pouco mais curta. Um homem passava com seu cachorro, ambos correndo e se divertindo. Pingos de chuva. Não moveu um dedo. Mais pingos. Nenhuma reação. Pessoas correndo e buscando se proteger, engarrafamento no trânsito. Chuva grossa. Em questão de minutos seu cabelo se encharca, suas roupas, seu tênis... Seu celular pára, seu relógio de pulso... Lá continuou.

De longe alguns a observavam naquele banco e pensavam que ela deveria ser uma moça demasiadamente solitária ou que era louca e se não saísse de lá pegaria uma bronquite.

- Vejam só! O que ela faz lá? - Duas moças comentaram.

- Não sei, problema dela!

A grama acumulava cada vez mais poças d'água, alagava-se. O cabelo grudado no rosto. Muitos pararam de olhá-la, outros foram cuidar da própria vida e ela continuou estática no banco. Aos poucos a chuva ia cessando, devagarinho e todos recomeçavam a retomar a rotina e a esqueceram. Ela continuou lá, parada, letárgica, esperando seu milagre que um dia ia de acontecer.

Letícia Bertoldi
Enviado por Letícia Bertoldi em 27/06/2012
Reeditado em 27/06/2012
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