TRANSPORTANDO ILUSÕES
TRANSPORTANDO ILUSÕES
I
- Será esse o ônibus que devemos pegar?
- Não sei Marinalva. Falaram que era o que ia para a Praça Buenos Aires!
Marinalva e Edicleide são duas irmãs. Vieram de Sergipe com seus pais. Da pequena e histórica Laranjeiras, não longe da capital Aracaju. Como todos sabem, nosso nordeste, excetuando-se as capitais, não oferece a mínima condição em projetar para seus jovens, um futuro mais animador. Aos rapazes, a falta de indústrias, o comércio quase que inexistente, não oferece qualquer previsão de uma vida melhor. Para as moças, então, a situação é muito pior. Acrescente-se, ainda, no caso delas, a total inexistência de um bom partido, que lhes possa proporcionar a realização do sonho de constituir um lar, com um bom marido e filhos.
A solução, então, é procurar outros caminhos. Foi o que fizeram os pais das duas moças. Vieram para São Paulo. Sem conhecer a cidade,
foram parar na periferia, na zona leste da capital. Quanta diferença, pensar que há dois dias se encontravam na sua casinha, cidade pequena, mas agradável, as ruelas com pavimentação de pedras. Iluminadas por lampiões, ladeadas pelas simpáticas moradias, todas com pintura recente, dando à paisagem uma beleza terna, bem de acordo com a vida dolente de seus moradores. Só de quando em quando se ouvia o roncar de motor de carro, ou dos ônibus trazendo turistas.
Contrastando com tudo isso, a cidade grande, com seu movimentado trânsito, edifícios, e a nova casa, inacabada, com tijolos sem reboco, numa rua sem pavimento, a laje de cima vazia. Uma vilinha de Itaquera. Quase uma favela.
II
O diálogo entre as irmãs se deu após uns três dias da chegada a São Paulo. Indicadas pela vizinhança, as duas se dirigiam para um emprego em Higienópolis, bairro de classe média alta. Como empregadas domésticas. Era o pouco que elas sabiam fazer, apesar de terem concluído o curso ginasial.
- Olha ele aí, Edicleide. O coletivo estava superlotado. Com muito custo conseguiram entrar. Jovens, não vamos dizer que eram bonitas de rosto, porém tinham alguns predicados. Seios volumosos, bundas algo sobressalentes, foram alvos dos passageiros que, como elas, viajavam em pé. Assim foi a primeira viagem das moças. Uma hora e meia!
Ao descerem no lugar indicado pelo motorista, mais pareciam aquele
cachorro que havia caído do caminhão de mudança! Completamente perdidas. Pediram informação ao rapaz da banca de jornal.
- Rua Sergipe? Fica ali atrás, do outro lado da praça.
Seguindo a orientação dada, notaram que, pouco mais à frente, havia uma multidão de gente, portando cartazes, gritando palavras de ordem ininteligíveis. Sem saber como, Marinalva e Edicleide entraram no cortejo, levadas pelo mesmo. De mãos dadas, até certo ponto demonstravam medo.
Num determinado local, notaram um grupo aglomerado ao redor de uma espécie de fogueira, de onde era expelida uma fumaça, com cheiro até agradável de comida. E, viram alguns homens assando carne, sendo colocada em pãezinhos, como sanduíche. Foram servidas sem nada pedir. Comeram e acharam uma delícia.
Chegando ao local indicado do emprego, foram admitidas, uma na casa da mãe, e a outra na da filha, família de origem judaica. Moravam elas no mesmo prédio.
III
- Mãe, você nem imagina! E contou para os pais tudo que havia acontecido.
- Amanhã vamos até lá, disse o pai. Quero experimentar esse sanduíche.
No dia seguinte, sem tomar o café, os quatro se dirigiram para o ponto do ônibus. Aquele sufoco, novamente. Lotado. Empurra, empurra. Um sacrifício brutal! Enfim, chegaram ao destino.
As moças na frente. Andaram alguns metros até onde, no dia anterior, tinham comido o sanduíche. Nada. Esperaram certo tempo. Perguntaram, então, para o mesmo rapaz da banca de jornal.
- Ah! O churrasco de ontem? Não, aquilo foi uma manifestação de moradores aqui da região, que são a favor de a estação do metrô ser construída neste bairro, em Higienópolis! A passeata terminou em churrasco!