O bilhete

A noite estava quente. João decidiu deixar o hotel e aplacar a solidão e a saudade de casa indo a um barzinho na orla de Luís Correia, litoral belo do Piauí. Sentou-se à mesa e olhando o vai e vem das ondas da praia do Coqueiro avistou também uma moça bonita. A luz pouca da rua dava um tom ainda mais bucólico ao lugar. A moça bonita caminhava em direção a areia, saindo das águas mornas. Uma visão do Paraíso.

João estava no lugar realizando um trabalho, para implementar ações turísticas no município. Em casa deixara os problemas cotidianos de uma vida insegura e monótona. Os filhos eram a sua alegria, depois do fim do casamento, e de resto o trabalho lhe vinha como alento necessário para a continuidade da vida.

Talvez, por isso mesmo, aquele corpo cálido lhe causasse tanto frenesi. A moça bonita tinha os seios firmes e o corpo não muito cheio. Cabelos lisos, pele morena e rosto fino. Caminhava descalça como que escolhendo os passos e o lugar onde pisar. O vestido de chita, florido, lhe cobria o corpo como que uma luva gigante. A silhueta na roupa molhada era o colírio de João. Olhou o moço, mas não o viu. Debruçou-se no balcão e pediu um refrigerante. Degustou a bebida como se aquilo fosse o último gesto.

– Eita sede né “mermã”! Disse dona Alzira, dona do estabelecimento.

– É o calor, “mermã”. Retrucou a moça bonita.

João assistia a tudo sem esboçar outra reação senão a de estar maravilhado com tamanha beleza e singeleza entregues em um corpo tão pequeno. Tateou em seus pensamentos as formas da moça bonita e imaginou que um dia poderia ter um recesso em suas lamúrias e poderia dividir seus dias com alguém que lhe fosse tão companheira e tão apaixonada como ele um dia fora pela esposa, agora retratos de um passado enfadonho.

– Artemísia! Chamou seu Bartolomeu, esposo de Alzira.

– Oi seu “bartô”. Respondeu a moça com nome de flor.

Neste instante João não teve dúvidas. Aquela visão de um jardim andante não era miragem. A beleza ali desenhada na sua frente não era fruto de uma alucinação. E se era jardim, Artemísia era a flor predominante.

– Já vai para casa? Quis saber o velho.

– Vou. Só vim para descansar um pouco da vida na escola.

A moça bonita era professora do Ensino Fundamental. Tinha seus vinte e sete anos e ainda solteira. João quis saber mais, mas não teve coragem. E ficou apenas colhendo as migalhas de informações que alguém lhe trazia, depois que ela se foi.

O rapaz escreveu algo e pediu ao atendente que entregasse a moça bonita. No papel guardanapo, estava o nome dele, o telefone e uma pergunta. A moça leu e entregou de volta outro bilhete, este escrito em papel melhorzinho e com letra desenhada. Dizia: “Sou solteira, sim. Me ligue e ai você pode me conhecer, Artemísia”

Era o início perfeito de um amor. João guardou aquele papel como se ali estivesse escrito o seu futuro. No papel singelo, ele leu a sua vida. Ali, logo ali naquele lugar tão distante ele jamais poderia imaginar encontrar alguém que lhe causasse tanto comichão. A boca seca, o coração acelerado e somente as cervejas foram suas companheiras. Lá pelas tantas voltou ao hotel e dormiu pensando na moça bonita. Castelos e projetos foram seus companheiros.

Não ligou de imediato. Deixou uns dias se passarem para não criar expectativas falsas. Como passaria alguns dias por ali, deixou para chamá-la no sábado seguinte ao da visão. Levantou cedo e fixou o bilhete com durex na porta do carro. Deslizou até Luís Correia e como o calor é intenso, João deixou a janela do carro aberta. O papel voou. Ele parou o carro e saiu correndo atrás do bilhete. Uma moto o jogou para longe e o papel acabou grudado na bota de outro motoqueiro. Desprendeu-se e um carro mais potente o levou para o outro lado. O papel voou, voou e João entrou em desespero. Não gravara o número e não o encontrou mais, a brisa da praia do Coqueiro o levou para distante do apaixonado.

Dizem que vagou à procura de Artemísia por longos dias, mas ela não acreditou nas suas intenções devido à demora em ligar e também sumiu da praia. Se casou com outro não se sabe, mas João está à procura de alguém, de outra Artemísia, talvez, até hoje.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 22/06/2012
Reeditado em 18/06/2018
Código do texto: T3738717
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