Faça o que eu falo

Estava atrasadíssima para o encontro com as meninas na casa da Claudia e ansiosa por ver as lingeries novas que ela tinha pra mostrar pra gente. Momentos como estes são imperdíveis, afinal, nunca tenho tempo de me reunir com minhas amigas e, além do quê, estou sempre precisando de novas roupas íntimas.

Foi com pressa e quase mecanicamente que recomendei à minha filha Clara, de 7 anos, que ficasse boazinha e obedecesse à avo, quando fui surpreendida com a resposta:

_ Onde você pensa que vai, Luana?, disse ela, sem tirar os olhos da tv, com a maior naturalidade.

Olhei para ela espantada, enquanto me perguntava: “Quem ela pensa que é para me chamar pelo nome?”. Como vi que esperava uma resposta, expliquei:

_ Filhinha, você já sabe, a mamãe vai à casa de uma amiga, numa reunião de adultos, mas volta logo.

Ela, então, tirou os olhos da tv e olhou com muita segurança para os meus.

_ Antes de arrumar o seu quarto? De jeito nenhum!

Eu não acreditava no que estava ouvindo: minha filha estava me proibindo de sair! Por um momento, achei que estivesse brincando de faz-de-conta, embora a interpretação fosse muito boa para ser brincadeira. Entretanto, como a situação era inédita, resolvi entrar no jogo dela.

_ Depois que eu arrumar, eu posso?

_ Pode, mas primeiro suas obrigações.

Fui até o quarto e Clara me acompanhou. Vi que havia algumas roupas usadas sobre uma cadeira e pensei que talvez ela tivesse achado que aquilo era bagunça. Peguei-as e levei para o cesto de roupas sujas. Então olhei para ela como quem diz: “E agora?”. Como se lesse meus pensamentos, foi logo dizendo:

_ Não está se esquecendo de nada?

Rapidamente olhei em torno procurando por mais alguma coisa e... não vi nada!

_ O quarto está em ordem, afirmei.

_ Tem certeza?

A convicção de Clara me perturbou. Olhando com certo aborrecimento, como quem começa a perder a paciência, ela acrescentou:

_ Já olhou embaixo da cama?

A pergunta me irritou. Com muita preguiça mas sem coragem de não fazê-lo, abaixei-me e encontrei exatamente o que eu esperava: meus sapatos. Ainda mais irritada, porque, se antes eu estava atrasada, nessas alturas eu já havia perdido completamente a hora, murmurei entre dentes:

_ Aqui só tem meus sapatos.

_ Olhe bem, ela insistiu.

Perdendo as estribeiras, aumentei o tom de voz:

_ O que você quer exatamente que eu veja, Clara?

Entre a raiva e a mágoa, ela responde:

_ Tem um par fora da caixa.

_ Você me fez perder todo esse tempo por causa de um para de sapatos?

_ Ontem você separou este, dizendo que ia usar hoje, e não usou.

Respirei fundo e, mais preocupada em ir logo embora do que qualquer outra coisa, retruquei:

_ É isso que você quer? Então eu coloco este!

Ela aguardou calada. Ao tentar calçar o pé direito, senti algo dentro do calçado e tirei pra ver. Quando vi que tratava-se de um bilhete, estremeci. Sentindo o sangue sumir do meu rosto, li em silêncio: “Mamãe, vamos no parque amanhã? Clara”.

Tomada pelo remorso, olhei para o seu rosto sem nada dizer. Com os olhos cheios d’água, mas mantendo a firmeza, ela corajosamente disse:

_ Você me deve desculpas, Luana.

Com muita vergonha, desculpei-me. Terminei de trocar os sapatos e logo perguntei, tentando me redimir:

_ Então, vamos?, embora soubesse que ela não ia querer mais, pois estava muito magoada.

E surpreendentemente ela sorri e responde:

_ Claro!