Os três cavalos alados.
Os três cavalos alados.
É um conto oriental chamado “Os três cavalos alados e as três carruagens”, que acho deve ser de domínio público...
Era uma vez um homem muito rico que vivia com os seus três filhos, que tinham dez anos de idade, e eram trigêmeos, num grande palácio. Neste palácio havia cento e cinqüenta pajens distribuídos entre médicos e enfermeiros, psicólogos, cozinheiros, serventes, e palhaços que se destinavam, todos, a proteger e divertir as crianças.
Os trigêmeos, sob a obstinada e incessante proteção do pai, jamais estiveram doentes, nem sequer um simples resfriadinho... Não sabiam absolutamente nada sobre as “mazelas do mundo” como a mentira, a fraude, o furto, o assassinato etc., como também não sabiam o que era e o que significava o raio, o trovão, o fogo que só viam de longe, na cozinha, pegando no fundo das panelas... e, muito menos, o que era a morte... Todo esse desconhecimento tinha razão de ser, e tinha origem na visão do pai que não queria oferecer “problemas” para os seus três filhos amados... e criá-los, ou educá-los, amados aos extremos...
Certo dia, o pai recebeu a missão de ter de viajar para fazer negócios... mas essa viagem ele teria de fazer sozinho, isto é, sem a companhia dos seus filhos. Relutante, quase que desistindo dos negócios, decidiu fazê-la... Entretanto, desesperado com a situação em que se encontrava, impôs condições àqueles responsáveis – pajens − pelas crianças enquanto estivesse fora: -“Tenho de viajar sem os meus filhos, e aviso: se algo acontecer a qualquer deles, por mais leve que seja o dano, eu punirei a todos com as mais severas penas”! E saiu...
Com a caravana em marcha ao destino de outro país, depois de algumas horas, o pai recebe um mensageiro que, esbaforido, sôfrego, completamente molhado de suor, transmite a trágica mensagem: -“Senhor! Senhor! Meu senhor! Retorne imediatamente, porque o seu palácio está em chamas”!... De imediato, sem nada perguntar, pensando nos seus três filhos, exclamava: -“Ó meu Deus! Meus filhinhos estão em iminente perigo... será que estão mortos... e se estão mortos”? Ó meu Deus! Meu Deus! Meu Deus...”! Ele dá ordem para que retornem em desabalada carreira... Lá mesmo, dirigindo-se ao palácio, já podia ver o clarão avermelhado no céu mesclado com a fumaça preta do incêndio... O pavor lhe toma conta da alma...
Ao chegar ao palácio consegue romper as primeiras grandes portas... e chega à última, fechada por dentro, quando vê, por uma fresta, os três filhos brincando, inocentemente brincando sobre escombros que caíam do teto em chamas, sem dar a mínima importância àquilo (porque não sabiam o mal que poderia causar o fogo), e saltando alegremente sobre os corpos sem vida, sobre os cadáveres dos pajens que os acompanham naquele cômodo (porque achavam que estavam também brincando de dormir, desde que não sabiam, o que era a morte)...
Estarrecido, apavorado com o trágico desfecho que se avizinhava, o pai pede aos filhos para que abrissem a porta... Insiste... insiste... e nada. Sem noção do perigo... os filhos diziam: -“Só mais um instante... só mais um instante e já vamos abri-la”! Vendo que não havia mais tempo, vendo que o teto iria desabar por inteiro matando-os... o pai lhes diz: -“Filhos! Filhos! Filhos... abram a porta e venham ver os três cavalos alados e as três carruagens que eu trouxe para vocês... aquelas dos nossos contos... que podem ir com vocês até às estrelas... voar... voar... e voar... vocês serão livres para ir onde quiserem... uma maravilha... uma maravilha... veham”!... Ouvindo isto, as crianças lhe deram atenção e, às carreiras, com a felicidade estampadas em seus rostinhos, abriram a grande porta e se lançaram nos braços do pai... Abraçado aos filhos, o pai foge do local que imediatamente desaba em fogo e brasas incandescentes, não restando pedra sobre pedra... salvando os três filhos. Saindo dos braços do pai, as crianças correm sofregamente para ver e receber os três cavalos alados com as três carruagens.... e nada encontram... Decepcionadas, perguntam ao pai: -“Onde, onde, onde estão os cavalos e as carruagens”? Obtendo a fria resposta: -“Não existe... não há cavalos nem carruagens... eu disse isto, eu menti, para salvar a vida de vocês... salvar a vida de vocês”!... E começa a chorar copiosamente... num misto de tristeza e contentamento...
Dias depois, o pai, acabrunhado, desolado, procura o seu guru, guia espiritual que vivia como eremita no alto de uma montanha, para lhe fazer uma consulta. Logo que chega, o guru, que o conhecia bem de outras consultas, o repreende: -“Que tristeza é essa”? E o pai lhe responde com uma pergunta: -“Verdade e mentira são a mesma coisa”? Diz-lhe o guru: -“Não! A verdade deve ser sempre dita, salvo se causar o mal. Já a mentira jamais deve ser dita, mesmo que seja para causar o bem! A verdade é uma virtude, e a mentira é um desastre”! Retruca o pai: -“Mesmo que a mentira salve vidas, não deve ser dita”? Persiste o guru: -“Não, a mentira jamais deve ser dita”! Com essa afirmação, o pai conta o que aconteceu... toda a história da viagem até o seu final, quando teve de mentir para salvar a vida dos seus três filhos, mas que esses, a partir daí, não lhe davam mais crédito, não acreditavam mais nele... e, por isto, se achava perdido sem a confiança deles... E volta à pergunta: -“E então, mestre, quando a verdade salvaria os meus filhos? Não foi a mentira que os salvou”? Replica o guru: -“Verdade é verdade, e mentira é mentira! O que aconteceu não passou de mentira sobre mentira que resultou em mentira, pois se seus filhos tivessem sido educados com a verdade, ou as verdades da vida, saberiam o que significa o fogo e a morte, e talvez você nem tivesse a necessidade de lhes dizer nada... agora só lhe resta aguardar... aguardar para ver se o tempo restabelece a sua convivência com os seus três filhos - com a verdade”!
Rodolfo Thompson. 19/6/2012
Ps. a verdade integra a nossa vida... já a mentira, é um acidente de percurso!
Ps. Esse conto não é de minha autoria, não sei quem é o autor, e acho que é de domínio público... Marquei-o como tal para poder publicá-lo no Recanto das Letras - dada a sua importância ética.