Um daqueles dias em que São Paulo parou.
Consultou o relógio no pulso, já fazia uma hora que estava praticamente parado naquele trânsito. Como estava indo para casa, deu de ombros tentando ocultar o descontentamento. O ar começou a ficar abafado e ele então ligou o ar condicionado. Em um instante o ar gélido preencheu todo o interior do enorme carro. Aos poucos foi se dando conta da aflição dos demais motoristas. Avistou pelo retrovisor um senhor que deixou o interior do carro e sentou-se na calçada. “Certamente esse coitado não dispõe de um ar condicionado” pensou tentando encontrar conforto nesse pensamento. De repente outros motoristas passaram a aderir ao mesmo gesto. Em pouco tempo, muitos motoristas passaram a fazer companhia ao velho travando calorosos debates acerca do caos que estava diante deles. Mas o distinto motorista relutava em se misturar. Nunca gostou de manter contato com pessoas estranhas. Sua classe social de certa forma era um entrave para que isso pudesse acontecer. E ali permaneceu por mais uma hora sem mover-se um centímetro se quer. Resolveu então ligar para sua esposa para colocá-la a par do que estava acontecendo, mas ela já havia visto os noticiários e lhe disse ainda que aquilo não era um caso isolado, que toda a cidade havia parado. Um vendedor ambulante passou de carro em carro vendendo água e ele mesmo com a garganta seca não teve coragem de baixar o vidro com receio de ser assaltado. Mesmo com o banco confortável de sua Mercedes, suas costas passaram a latejar. Trinta minutos passados, sentiu-se com uma enorme vontade de urinar. Passou os olhos em volta e avistou um boteco sujes mundo. Esmurrou o volante com raiva e despejou inúmeros palavrões. Enfim, respirou fundo, destravou as portas e deixou cautelosamente o interior da luxuosa Mercedes. Já previa que chamaria a atenção de todos, pois havia sido o único que ainda permanecia no veículo. Sentiu uma enorme vontade de despreguiçar, mas a timidez o tomou por completo. Pediu licença a todos que estavam em frente ao boteco e dirigiu-se ao balcão. Um senhor com dentes de ouro o atendeu prontamente. E ele praticamente sussurrando pediu para usar o banheiro. Ao sair mais aliviado, esboçou um sorriso, mas logo franziu o cenho novamente. Agradeceu de forma ríspida e voltou imediatamente ao seu carro.
E lá permaneceu por mais cinco horas.