O Adorável Mundo do Vovô

Tinha já seus bem vividos sessenta anos. Cabelos poucos e grisalhos, a mesma magreza de sempre. Ainda era o mesmo aventureiro da juventude, já havia morado em muitas cidades do Brasil e passado por muitos apuros também. Naquela noite, nada de muito arriscado: estava apenas deitado na velha cama da sua quitinete, tomando uma caneca de chocolate e vendo a novela. Na cabeceira da cama algumas revistas de palavras cruzadas, todas preenchidas mais de três vezes. Estava calor e por isso a vestimenta da noite era apenas uma cueca samba-canção furada atrás. Pela janela do prédio se podia ver a cidade explodindo em cores e barulhos, mas naquele momento a TV estava mais interessante. De repente, o celular toca. Era seu neto, um moleque de sete anos que sempre o ligava a noite, ao contrário dos seus filhos.

- E aí, campeão? Como vai você?

- Tô bem, vô! Vô, hoje eu andei com meus amigos de bicicleta no parque e depois fui pro shopping ver filme no cinema com a mamãe!

- Que legal, campeão! Gostou do filme?

- Gostei. O herói era que nem o senhor!

- Era? Que bacana!

- Vô, me conta alguma história do senhor... O que o senhor fez hoje?

- Ah, hoje o dia do vovô foi muito cansativo, campeão! Tive que subir num prédio de trinta andares que estava em chamas! Fui salvar umas pessoas que estavam lá em cima! Depois saí correndo pela avenida para não ser queimado na explosão do prédio e acabei tendo que me jogar na frente de um carro para salvar um gato de ser atropelado. Aí corri com o gato pelas ruas e de repente uns dez cachorros começaram a correr atrás de mim por causa do gato...

- Noooossa ...

- É, aí campeão, eu tive que mergulhar no rio pra fugir dos cachorros e saí nadando com o gato em cima da cabeça. Quando saí tava todo molhado, daí tive que tirar a roupa e saí pulando pelos muros das casas sem roupa...

- Hahahahaahahaha o vovô tava sem roupa!

- Pois é, daí a polícia começou a me perseguir e eu tive que correr por uns morros cheios de bandidos, daí até os bandidos começaram a correr atrás de mim, e de repente tinha muita gente e muitos cachorros correndo atrás de mim. E o gato no meu braço!

- E como o senhor escapou?

- Eu fiquei encurralado quando cheguei num abismo, bem no alto da cidade, só dava pra ver as pessoas como formiguinhas na praia. Daí eu vi um cara que ia saltar de asa delta e tive que tomar o lugar dele pra sair voando com o gato no ombro! Imagine, campeão! Sobrevoei a praia, passei pela avenida até aterrissar aqui no telhado de casa, finalmente. Agora estou descansando na minha cama, assistindo a TV.

- Demais, vô! Vô, tenho que ir dormir, mamãe já brigou. Amanhã eu ligo de novo, te amo, vô! –E desligou.

O velho sorriu, pôs o celular na escrivaninha, tomou o último gole do seu chocolate, acariciando com a outra mão o seu gato que dormia tranqüilo na cama. Quando acabou a novela, desligou a TV, beijou a cabeça do gato e dormiu.

Kaê Brito
Enviado por Kaê Brito em 13/06/2012
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