Partida

A rodoviária da minha cidade não é muito diferente de qualquer outra rodoviária que conheço. Os terminais dos grandes centros são enormes perto dela, mas ela é imensa diante da rodoviária de uma cidade menor. Enquanto aquelas dispõem de apenas alguns guichês e uma lanchonete, a nossa possui até um restaurantezinho, no qual se pode comer carne assada, e várias lojinhas de bugigangas. Sua edificação compreende dois patamares: no inferior ficam os terminais de desembarque, bastante amplos para o fluxo atual de ônibus, ao passo que no superior estão alocados os boxes para o embarque. O segundo pavimento abriga o maior número de quiosques, onde são servidos salgados, algumas frutas – especialmente maçã, pois muitos passageiros sentem enjôo e preferem comer algo leve –, refrigerantes e cervejas. Ali se encontra um pequeno grupo, ansioso pela viagem que será longa.

- Essa sabe ser boa! – diz um rapaz de estatura mediana e face surrada. Nos outros rostos as expressões não consentem a mínima sugestão de dúvida sobre a verdade da afirmação. Não importa o que aconteça, nas circunstâncias precisas que os cercam, diante da materialidade dos fatos, do aguço dos sentidos lanhados pela carestia, da expectativa da viagem, do trabalho árduo dos últimos meses, dos dias maçantes que haverão de passar colados ao assento do ônibus, da expectativa do reencontro: não haverá ser pensante capaz de inventar qualquer teoria que os demovesse. Uma cerveja gelada sabe ser boa! Um lenitivo instantâneo.

- Meia hora de atraso é normal – disse o mais afoito – mais do que isso eu já começo a ficar nervoso. E encheu todos os copos que se encontravam na mesa. E se algum desconhecido, por qualquer desatino, pusesse diante dele mais um copo também poderia beber da mesma garrafa; puxaria de uma cadeira e logo estariam os cinco envoltos na típica alegria eufórica dos primeiros goles. Não tive coragem. Pensei e logo desisti de beber. Uma cervejinha não iria mal, uma latinha apenas não me deixaria com dor de cabeça, ou deixaria? Já bebi moderadamente antes de outras viagens e nem sempre foi bom. Vinda de rebote, a ansiedade é mais intensa.

Abandonei a intenção de beber, mas continuei a pensar na latinha. Atazanou-me a memória uma anedota ridícula, muitas vezes ouvida na infância. Era sobre as cidadezinhas falidas do interior. Alguém dizia: “sabe a cidade tal... mudou o nome para Latinha.” O outro, pressentindo então o deboche, questionava: “mas porque Latinha?” E o primeiro respondia com pilheria: “lá tinha banco, lá tinha loja, lá tinha...”. Haja paciência, o cansaço me embaralha as cartas da memória: esperar é ruim.