Uma noite qualquer de uma estação qualquer...

Nunca soube como o Jaime limpava o banheiro do bar, mas não funcionava. Sempre fedia. Dependendo do que e do quanto havia se tomado antes, era entrar lá para mijar e levar o vômito de brinde. Não passa por ser durão ou maricas. Estamos falando de merda mole! Não no meu caso hoje. Tomei só umas cervejas e vodca. De leve, para esquecer um problema. Quando vi a presidente na televisão falando do controle da inflação me senti ofendido. O que ela dizia não batia com os preços das prateleiras do mercado. Ou aceito que sou um otário ou mato ela. Sou um otário sem culhões para matar a pilantra da presidenta. Então um bêbado derrubou minha cerveja no balcão e não enfiei a mão na cara dele. Agora otário e covarde.

Uma senhorita me trouxe outra cerveja. “Você já adivinhou o que eu queria beber. Adivinha o que eu quero comer?” Ela deu uma risadinha, respondi com um sorriso maroto. Quando ela entrou na cozinha o Jaime parou na minha frente. “Quero respeito com a minha filha. Acho que é hora de você ir embora.” “Não com cerveja no copo.” Se ele tivesse com uma cartucheira embaixo do balcão atiraria em mim como nos filmes de velho oeste. Sua expressão não fez questão de esconder seus desejos. Para adotar uma distância segura dele fui na direção das mesas de bilhar.

O bar é um lugar aonde as pessoas conseguem perder horas sem fazer e falar nada que importe. Minha contribuição vem em forma de silêncio. Se houvesse um bar cheio de ratos e garotas cheirosas nunca mais voltaria a esta espelunca. Aqui só tem os ratos, nada de garotas cheirosas. A filha do Jaime fica bonita aqui (cheirosa seria exagero). Toda vez que ela passava pelo salão nossos olhares se cruzavam. Não sei o que ela via em mim. Eu via nela um par de pernas abertas. Voltei para o balcão para pegar outra cerveja. “Já disse que é hora de você ir embora.” Depois de ver uma nota de cinquenta o Jaime passou a ser mais receptivo, o que não significa que estava feliz. Pelo menos não comigo.

Sentei no balcão para ver o programa de esportes. Uma garota sentou ao meu lado. Baixinha, magrinha, branquinha, feinha. “Acho que está noite esta muito parada”, disse ela. “Você sabe como deixar ela mais agitada?”, respondi. Então surgiu da sua bolsa uma cápsula com um pó dentro. “Sei.” Levantamos os dois e segui ela até o banheiro feminino. Da sua bolsa também saiu um espelho de maquiagem e uma gilete. “Qual o seu nome?”, perguntei. “Pode me chamar de Ana, e o seu?” “As pessoas me chamam de Neb”. “Legal”. “Da onde é esta cocaína? Lá no beco estão servindo uma muito boa”. “Não é cocaína, é cimento.” “Como assim?” Ela cheirou uma das carreiras e me encarou com os olhos esbugalhados e a boca já torta. “Vai querer ou não?” Peguei a nota de vinte enrolada e mandei.

Aquilo desceu rasgando pela minha garganta, e deixou um gosto de cimento que me fez acreditar no que a Ana disse. Saímos os dois do banheiro já com a cara torta. Sentamos no balcão e demos um longo gole nos nossos copos. Pareceu que a cerveja se misturou com o cimento e formou uma grande massa que se espalhou da minha boca até o estômago. Para meu espanto a sensação de satisfação e prazer aumentava a cada minuto. “Minha nossa, não sabia que cimento era tão bom!”, comentei. “Ainda não veio o melhor, Neb”, retrucou ela com malicia e um olhar sacana. Percebi que a filha do Jaime observava a gente de longe, na outra ponta. Pedi duas vodcas com gelo. Ela colocou as doses no balcão com um olhar repreendedor na minha direção. Voltei ao banheiro com a Ana.

Da hora que entrei novamente no salão até a hora que acordei todo ocorreu de forma muito esquisita e rápida. Não conseguia distinguir muito bem os sons do bar. Bolinhas de bilhar se batendo, pessoas conversando, o rádio, passos, gritos, garrafas e copos tilintando, tudo era um barulho só. Esbarrei em algumas coisas até chegar ao balcão. Sentia como se fosse um robô, enferrujado. Estava quadrado! Puta que pariu! Cimento é demais! Tâ secando! Dei uma boa golada de vodca e consegui mastigar a massaroca que desceu pela minha garganta. Do nada meus pés e minhas mãos começaram a girar violentamente rápido em 360°! Isso é um exorcismo!?

Percebi que a Ana não estava mais do meu lado. Vi a filha do Jaime no canto do balcão me fitando e pude ler uma palavra de seus pensamentos: “Cretino!” “Eu te amo baby”, respondi por telepatia. Senti alguém me empurrar pelas costas. Virei e levei um direto de esquerda no nariz. Caí para trás. Minha carcaça inteira girava em 360°! A filha do Jaime me puxou pelo braço para detrás dos balcão. Não sei como acabou a confusão.