ANUNCIO DE EMPREGO

O anuncio de emprego era bem claro.

“PRECISA-SE DE MOÇA JOVEM PARA OCUPAR O CARGO DE ASSESSOR DA GERÊNCIA DE VENDAS DE FÁBRICA DE CONFECÇÃO. EXIGE-SE BOA APARÊNCIA, REDAÇÃO PRÓPRIA, FLUÊNCIA VERBAL, DISPONIBILIDADE PARA VIAGENS FREQUÊNTES, CNH CLASSE B. – ENVIAR CURRICULO PARA CX. POSTAL 222”.

Eu estava desempregado.

Em torno de seis meses minha rotina era ler anuncio de emprego em jornal, enviar currículo, passar em agências de empregos e fazer um ou outro serviço temporário que os amigos indicavam.

O dinheiro da indenização recebido na justiça quando a firma fechou já havia evaporado e eu, mesmo sabendo que não me encaixava no perfil solicitado pelo simples fato de ser do sexo masculino, não tive dúvida de que aquele emprego era para mim.

Até aquela data eu odiava o meu nome.

Não sei por que cargas d’água meus pais resolveram que eu me chamaria Etiene, nome de origem francesa comum aos dois gêneros.

Mas meus colegas de escola e da rua nunca perderam a oportunidade de zombar de mim porque no Brasil, Etiene, é nome de mulher e foi esse detalhe que me alertou para a possibilidade de mandar mais um currículo e da vaga ser minha.

Logicamente que foram subtraídos o certificado de reservista e a fotografia.

Nessa época eu estava morando de favor num quarto sobre a garagem da casa de uma conhecida da família e que me conhecera ainda criança.

Ela tinha uma filha, mais ou menos da minha idade e à noite eu falei com Lucila para ela me emprestar uma foto 3x4 e contei o plano. Ela riu muito da minha cara de pau e me emprestou a foto retirada de uma carteira de estudante de dois anos antes.

No dia seguinte, quinta feira, fazendo a maior fé, entreguei o envelope no correio. Ainda bem que não precisava selar.

Na terça feira da semana seguinte chegou o telegrama para comparecer à entrevista, marcada para as sete horas da manhã.

Ainda estava escuro quando saímos de casa porque eu não queria, nem podia chegar atrasado.

Lucila, nervosa, dizia a todo o momento, que iríamos ser presos por falsidade ideológica e que aquela armação não podia dar certo.

Às seis e vinte da manhã mais fria daquele junho chegamos à portaria da fábrica de roupas intimas feminina.

A vigilante da portaria entregou a Lucila a ficha de atendimento, os crachás de visitantes e fomos encaminhados para a sala de recepção.

Sobre a mesinha no canto da sala, uma garrafa térmica com chá e biscoitos no depósito com a tampa basculante.

Coloquei chá para nos aquecer, mas Lucila estava nervosa e com a mão trêmula deixou cair chá quente sobre a roupa.

Entre dentes eu dizia o tempo todo, quando aparecer alguém deixe que eu fale. Não vai dar problema nenhum, você só está fazendo um favor a um conhecido. Você vai ver.

Peguei guardanapos de papel na vã tentativa de enxugar a saia de Lucila e enquanto estava na operação limpeza para minimizar o estrago no tapete, entrou uma jovem risonha que disse:

- Muito bem Etiene. Gostei de ver a hora em que você chegou. Vamos lá para minha sala. Precisamos conversar um pouco enquanto a senhora Euterpe Magalhães não chega. Se você ficar, vai trabalhar diretamente com ela. Ela é muito exigente e quer sempre o máximo das pessoas...

- Senhora...

- Deixe Lucila que agora é comigo. Dizendo isso eu não deixei que Lucila falasse e expliquei com os mínimos detalhes toda a minha armação e o porquê da minha atitude.

Enquanto eu falava, a funcionária serviu-se de chá, sentou e sem dar uma palavra, ouviu a minha história.

Por causa do nervosismo eu permaneci de pé e quando notei que a xícara dela estava vazia, enchi outra vez e trouxe os biscoitos para o assento da cadeira ao lado da que ela estava ocupando.

Todos os meus movimentos eram acompanhados pela mulher que me observava com os olhos semicerradas, como as pessoas que precisam, mas que não usam os óculos e forçam as pálpebras no intuito de ver melhor.

Tentando aparentar uma calma que eu estava muito longe de sentir, falei sobre a minha vida escolar, os dois empregos anteriores e tudo o que havia aprendido neles e terminei a fala com a pergunta:

- A que horas a dona Euterpe vai chegar para eu poder contar tudo isso a ela?

Com o sorriso restabelecido a jovem disse:

- Não vai ser preciso repetir nada. Euterpe sou eu e espero que sejamos bons parceiros por muitos anos, daqui pra frente.

Hoje faz dez anos que entrei na firma e durante todo esse tempo trabalhamos e nos divertimos muito.

Tivemos bons e maus momentos...

Muito estresse para cobertura de cotas, com clientes maus pagadores, vendedores relapsos e as oscilações do mercado.

Namoramos várias vezes...

Chegamos até a morar juntos, mas o trabalho foi sempre o empecilho maior para nosso entendimento fora da firma...

Hoje também é o pior dia da minha vida pessoal e profissional porque acabei de ser informado que Euterpe, a pessoa mais maravilhosa que eu conheci e a melhor gerente de vendas com quem tive a oportunidade de trabalhar, morreu vítima de uma bala perdida num tiroteio entre a polícia e os marginais na saída do túnel, instantes atrás, quando ela estava vindo para a fábrica, para mais um dia de trabalho...