Joãozinho
Esta agora é uma história de criança, isto é, uma história sobre as travessuras de uma criança. Na verdade, um pré-aborrecente criado pela avó, coadjuvada pela mãe, quase sempre ausente pela necessidade de ter que trabalhar. O nome dele não é Joãozinho, bem que poderia ser, pois é chegado a uma sacanagem: levantar as saias das meninas, passar as mãos nas coxas delas, nos seios e por aí vai. Também é um pouco malvado: bate nos colegas de menor idade, morde a avó, sem qualquer motivo bate nas pessoas.
Certa vez procurei no Google algum endereço onde eu pudesse pesquisar sobre o perfil de Joãozinho, muito citado nas anedotas. Eu queria comparar com o perfil do filho da minha amiga, infelizmente não encontrei.
Mesmo assim, vou tentar caracterizar o perfil de Augusto, este é o seu nome. Irrequieto, muito esperto, muito inteligente para a sua idade, perspicaz, às vezes, corajoso, outras, medroso e chorão, sorridente, desobediente ao extremo. Não coloco mais adjetivos porque não fica bem classificar minuciosamente uma criança de apenas 11 anos, pois muitas das coisas que ele faz atualmente são próprias da idade.
Vou contar apenas uma de suas peraltices.
Certo dia ele ganhou um carrinho de brinquedo, daqueles de fricção. Quanto mais a gente o fricciona contra uma superfície, mais suas rodas tomam impulso. Ao soltá-lo ele sai em disparada, até encontrar um obstáculo.
Entusiasmado com o presente, Augusto passou a tarde toda a brincar com a sua Ferrari vermelha, uma réplica da original. Os de casa não se preocuparam com esse seu comportamento. É assim que ele fica, isolado em um canto, brinca sozinho, pois não tem irmão para dividir a brincadeira, ou irmã para brigar, pois é sempre assim onde há irmãos e irmãs. Ele solta o brinquedo quando enjoa de brincar.
Mas aquele carro era novidade, havia potência em seu motor, as rodas giravam em velocidade fora do comum. O menino procurava friccionar cada vez mais rápido o pequeno veículo. Toda vez que tinha o brinquedo em suas mãos, extasiado, ficava olhando o giro das rodas sobre o seu fino eixo de metal. Seu olhar tremeluzava, parecia que havia descoberto algo fantástico, prodigioso. Em sua cabecinha mil indagações: o que posso fazer com isso, além de jogá-lo contra a parede? Como aumentar a minha satisfação durante a brincadeira? Como chamar a atenção das pessoas com esse meu novo brinquedo? Para que mais serve esse carrinho? E quando não mais me agradar, brincar como estou brincando agora, o que vou fazer com essa Ferrari? As respostas não vinham, o menino se inquietava cada vez mais. De repente seus olhos passaram a brilhar intensamente, uma ideia estava surgindo, e pelo ar de satisfação demonstrado boa coisa não sairia dali.
Augusto levantou-se muito devagar, não queria chamar a atenção das pessoas que estavam presentes na sala: sua avó, sua mãe e uma vizinha, que conversavam sobre a nova moradora do condomínio, bonita e elegante senhora, mas descasada e morando sozinha. Por mais que Augusto fizesse barulho ou estripulia, as três não dariam conta de sua presença naquele local, tal o interesse da conversa.
Augusto sentou-se no chão próximo da sua avó, estava tão próximo que poderia até sentir o seu ofegar, ansiosa por novas notícias sobre Dona Marlene, a nova vizinha.
Ali próximo da avó, Augusto passou a friccionar o seu carrinho, uma, duas, três, quatro vezes, até perceber que as rodas da Ferrari haviam atingido alta velocidade. De um pulo só, ficou de pé e colocou o brinquedo sobre a cabeça da velha senhora. As rodas não pararam de girar e os cabelos da avó entreteciam cada vez mais entre elas. Ele pulava de alegria, pois encontrara uma maneira mais divertida de utilizar o seu novo brinquedo. A escola seria o próximo campo experimental.
Enquanto isso, a avó corria de um lado para outro da sala e, aos berros, pedia para alguém tirar aquilo de seu cabelo, pois ela não percebera que estava com o carrinho do Augusto em sua cabeça. As duas outras mulheres nada podiam fazer, já que a vítima daquela brincadeira continuava correndo entre os quatro quantos da sala. Só depois de já bastante cansada, a senhora parou e sentou-se exausta, o brinquedo também havia perdido sua velocidade.
Para retirar a Ferrari da cabeça da vovó foi preciso cortar uma boa mecha de seu cabelo, e ela, em prantos, pelo susto e pela perda dos cabelos já escassos, gritava com o neto para que ele fosse imediatamente dormir, como castigo pela peraltice.