O camarão entornou

Muaná é um município brasileiro do estado do Pará, formado por vários distritos e vilas como o Distrito de São Miguel do Pracuuba, Ponta Negra, Palheta e Jararaca.

A cidade de Muaná localiza-se à margem direita do rio de mesmo nome, na zona fisiográfica do Marajó e Ilhas. É uma das únicas cidades do Marajó que tiveram o nome original preservado, após a mudança exigida pelo governador para as 'freguesias' do Marajó, por volta de 1750. Seu nome, que quer dizer “semelhante a cobra", vem de uma tribo da região, remanescente da nação nheengaíba, que dominou o Marajó antes da chegada dos colonizadores. Também foi o primeiro município do então Grão-Pará a aderir à luta pela independência do Brasil, em 28 de maio de 1823. Os habitantes nascidos em Muaná são chamados de muanenses ou muanaenses.

Conhecida como a “Flor do Marajó”, Muaná é cercada por água e mata densa e exuberante, o que faz o deslocamento das pessoas para outras localidades acontecer apenas com o uso de barco. Para Belém, os mais afortunados se utilizam de pequenos aviões, geralmente fretados a peso de ouro.

Para essa localidade fomos convidado a prestigiar o Festival de Camarão, realizado todos os anos entre o fim do mês de maio e o início do mês de junho, tradicional evento para o povo do Marajó e que tem como principal atrativo os diferentes pratos elaborados a partir do crustáceo da ordem dos decápodes, e ótima ocasião para apreciar a cultura marajoara.

Convite aceito de bom grado, já que iríamos viajar no iate da prefeitura de Muaná, com capacidade de alojar confortavelmente 25 pessoas. Felizmente, os que nos acompanhavam não passavam de quinze pessoas, contando comigo, Uilma e nossos três filhos. Entre os outros convidados estavam um professor da Universidade Federal do Pará e esposa, uma orientanda de mestrado desse professor, esposo e dois filhos. Viagem tranquila, sem sobressaltos, pois contamos com calmaria durante toda a travessia da Bahia de Guajará. Saímos do Porto São Benedito, situado no Bairro da Estrada Nova, em Belém, às 9 horas de um sábado e depois de cinco horas, sem calor, por causa do vento úmido e constante, chegamos a terra firme, Muaná.

Havia pouca gente esperando no píer, o que nos deixou triste, prevendo fracasso para o já famoso Festival. Alguém nos alertou que muita gente chegaria no domingo, pois muitos que para lá se deslocariam trabalhavam também aos sábados. Ficamos satisfeito com essa notícia, pois estávamos lá para viver momentos alegres e diferentes dos passados em Belém. Era a primeira vez que visitávamos a Ilha de Marajó. E esperávamos algo fantástico!

Nosso primeiro programa foi dar um passeio pela cidade. A aluna de mestrado, que é natural da cidade, nos repassava algumas informações: - a população da cidade vive da exploração de palmito, açaí, madeira e pescados. As casas em terra firme são simples e de alvenaria, já as ribeirinhas, de madeira e sustentadas por palafitas. Não há miséria por aqui, ninguém morre de fome. O peixe, acompanhado pelo açaí, é a alimentação de muita gente da Ilha, também não faltam frutas e raízes, que complementam a dieta do ribeirinho. Nossa população é composta por 52% de homens e 48% de mulheres, sendo que dessa população 42% vivem na cidade e 58% na zona rural.

Satisfeitos com o city tour e informações, pedimos para voltar para casa. A noite cai cedo e jantamos por volta das 6h30min. Ficamos um pouco na pracinha da cidade e depois fomos dormir. Pela manhã, tomamos café, por volta das 8h30min e saímos para tomar banho de rio. Um rio escuro, mas de água muito fria. Já vislumbramos muita gente por lá. Nossa anfitriã, a aluna de mestrado, era campeã de natação e nos bateu a todos em um pega de natação. Fui o último da bateria, não estava acostumado a nadar em rio.

Depois do banho no rio, fomos para o local do Festival, a Praça do Camarão. Muita gente, e pelo porto chegando mais pessoas. Havia oferta de pratos deliciosos e de todas as receitas possíveis de camarão. Provamos de tudo, sempre acompanhado com iguarias da região. Eu nunca tinha visto e comido tanto camarão. Uilma, minha esposa, e os filhos também se fartaram de camarão, não por gulodice, mas porque não dava para resistir àquelas delícias de receitas. Também não poderíamos decepcionar o casal que estava a nos recepcionar, pois eles, bastante acostumados, experimentavam de tudo. Nós estávamos na cola deles.

A tarde estava chegando e precisávamos voltar para Belém, segunda-feira tínhamos que trabalhar. Notícia triste veio nos abalar um pouco, o iate da prefeitura não apareceu para nos apanhar. Estávamos à mercê dos pilotos de barcos particulares, que não ligavam muito para a segurança dos passageiros.

- Temos que nos apressar, informou a nossa anfitrioa.

Já havíamos arrumado toda a nossa bagagem, que não era muita coisa, e só passamos pela casa dela para apanhar nossos pertences. Rumamos para o píer e constatamos que o Festival realmente recebia muita gente. Ele estava apinhado. Todos querendo embarcar naqueles pequenos barcos ancorados. Quando um lotava, saía e outro encostava. Não havia tempo a perder, já passava das 17 horas e logo a noite cairia.

Depois de muito empurra-empurra, conseguimos entrar em um dos barcos, já repleto de gente que procurava as redes coloridas para se acomodar. Conseguimos três delas, uma ficou para Roberta, uma para Renata e outra para Ricardo, os nossos filhos. Uilma preferiu ficar sentada no assoalho do barco, pois ela pressentia que o movimento do barco iria fazê-la colocar todo o camarão para fora do estômago, isto é, borcar.

Quando todos já estávamos acomodados, nosso filho Ricardo, com seis anos de idade, deixou sua rede para acompanhar o irmão da nossa anfitrioa, que saiu do barco para comprar cigarro. Pouco tempo depois, o piloto deu partida no barco, o que nos fez gritar que nosso filho estava fora e precisava retornar ao barco. O piloto não queria atender ao nosso apelo, pois dizia que se encostasse novamente muita gente pularia para dentro do barco, levando-o a afundar. Eu o ameacei e sua recomendação foi para que o meu filho e o rapaz fossem para o lado esquerdo do píer, que o barco encostaria para pegá-los. O rapaz conseguiu embarcar com facilidade, depois de passar por vários tetos de barcos que se encontravam atracados um junto de outro. Ricardo, que vinha logo atrás, escorregou e quase caía na água.

Novamente o barco tomou o rumo de Belém. Inicialmente a viagem transcorria calma. Já era noite quando alcançamos a entrada da Baia de Guajará. O barco começou a balançar muito, ondas se formavam, a embarcação subia e quando descia batia com força na água. Eu segurava firmemente as duas redes que abrigavam minhas filhas. Uilma derretia-se em vômitos. Começou a chover, chuva forte, maio é um dos meses em que mais chove na região. Baixaram as lonas laterais, para impedir que a chuva entrasse e molhasse os passageiros. Ricardo, em sua rede encostada na lateral do barco, estava completamente molhado. Em dado momento, quando o barco retornou ao nível do rio, em um baque violento, eu soltei as redes onde estavam minhas filhas e quase fui jogado às águas da baía. Ao fundo, na popa do barco alguns bêbados e outros brincalhões gritavam a qualquer movimento brusco da embarcação: vai virar, vai virar. Isso deixava os marinheiros de primeira viagem em polvorosa, com bastante medo. Como todo barco que navega pelos rios da Amazônia, o nosso também carregava galinhas, porcos, frutas, verduras, farinha e outras mercadorias. Um peru foi colocado sobre o teto do barco e a qualquer gritaria dos passageiros essa ave soltava gorgolejos altos e os bêbados, de pronto, deduziam: - até o peru está tremendo de medo. Isso nos deixava ainda mais apavorados.

Uilma continuava sentada e vomitando muito, dava pena olhar para ela. Eu nada podia fazer, não podia soltar as redes, também era difícil se deslocar pelo barco, escuridão quase total e muita gente espalhada pelo assoalho. Um inferno. A todo tempo alguém perguntava quantos minutos faltavam para chegarmos a Belém. A resposta era sempre a mesma, 45 minutos. A chuva não parava, e não dava para saber quando ela iria parar, era chuva equatorial.

Essa agonia durou seis horas. É claro que no início foi mais calmo, mas já não nos lembrávamos disso. Chegamos a Belém às 23h30min do domingo, todos exaustos, mas aliviados, porque o pior não aconteceu, graças a Deus.

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Por ali, nessas terras libertárias

certo evento tem enorme repercussão

é um festival de cultura culinária

onde a atração é o camarão da região

(Jetro Fagundes - Farinheiro Marajoara)

<http://jetrofagundes.blogspot.com.br/2011/07/muana-flor-do-marajo.html>

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 29/05/2012
Reeditado em 11/12/2012
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